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quarta-feira, 30 de dezembro de 2009

FRAGMENTOS DE VIDA E FORMAÇÃO V

Falar da minha infância é sempre uma aventura prazerosa, porque tive a felicidade de viver em um lugar que me proporcionou certa liberdade para brincar e compartilhar emoções infantis com colegas de escolas e com outros amigos. Brincar na rua, principalmente a noite (na boca da noite) era sempre uma grande alegria. As meninas brincavam frequentemente de cantigas de roda como: "Demarré" e "Pai Francisco". Os meninos gostavam das brincadeiras do "Chicotinho Queimado" e da Picula, porque propiciavam a correria e a disputa. Na minha rua, como já disse, não passava carro, nem existiam carros na cidade naquela época, década de 1950; somente carroças e estas eram recolhidas ao cair da tarde, quando seus proprietários e usuários retornavam para casa depois da "lida" pelo pão de cada dia.

Os brinquedos eram fabricados artesanalmente pelos pais e também comprados na feira: carrinhos de madeira e bonecas de pano. Lembro-me também que existiam bonecas de louça e eu tive uma que se quebrou logo e precisei contentar-me com as de pano. Um de meus irmãos mais novos, o Péricles vulgo Pequinho, tem até hoje uma cicatriz na testa, consequência de uma queda de um caminhão de madeira que meu pai fez para ele e Paulinho, o mais velho, brincarem. Enquanto um sentava na carroceria, o outro empurrava o caminhãozinho e, numa destas experiências, o veículo virou e puft... queda espetacular... para sempre lembrada, pelas funestas consequências!

Em cada rua onde morávamos meus pais faziam muitos amigos. Desta primeira rua, a Barão de cotegipe, lembro-me de alguns, que citarei como os chamava: Dona Cocota e Seu Maninho, que tinham duas filhas, Gracinha e Sonia. Seu Maninho faleceu ainda jovem e Gracinha também. Dona Flora, que morava na casa da esquina. Seu Cipriano e Dona Menininha com a família moravam na casa em frente a minha. Seus filhos: Detinha, Caboquinha, Zelito e Ana Maria. Foram amizades que duram até hoje. Os que já se foram para a Pátria Espiritual (Seu Maninho, Gracinha, Seu  Cipriano e Dona Menininha) deixaram boas lembranças e saudades.

Foto atual da minha primeira rua em Serrinha, esta da qual falo agora, 
porque morei em muitas outras. 
Minha mãe, filha de descendente de ciganos, adorava se mudar de casa com freqüência.

A casa branca da esquina era de Dona Flora, a porta verde era a casa de Dona Cocota, na época, porque hoje ela mora na mesma rua, em outra casa. O espaço com parede branca era a casa (que não existe mais) da minha professora de Artes, no Ginásio, Lourdes Barbosa. Para ir todos os dias à minha primeira escola, da qual já falei nos primeiros fragmentos, eu subia a rua e dobrava à esquerda na esquina da casa de Dona Flora. Andava cerca de 250 metros aproximadamente, até a pracinha da escola.


Foto atual do armazém de meu pai, onde ele negociava com cereais e com cisal, bem em frente à casa branca, de Dona Flora. Ao mudar-se para Salvador, ele vendeu o armazem e hoje no local funciona a Madereira Batista. A parte onde se lê o nome Batista era o armazém de Seu Cipriano. O atual proprietário unificou os dois.

Na época, quando ainda éramos crianças, usávamos o local para nossas brincadeiras nos momentos de folga da escola. Lembro-me bem de um compartimento hermeticamente fechado por uma laje e uma porta de segurança, que impedia a circulação de ar e que meu pai chamava de imunizador; porque era lá que ele guardava os cereais para melhor conservação até o momento da venda.

Um dia o encontramos vazio e tivemos a idéia de brincar lá dentro, Eu Paulinho e Pequinho. Paulinho, que menino capeta! Sempre gostava de aprontar com os irmãos! Nos trancou lá dentro e para nós foi um momento de pânico total, porque a falta de ar puro, o cheiro de farinha e de outros cereias, nos sufocava. Por sorte meu pai apareceu, nos libertou e deu uma bela carreira em Paulino. Ele ensaiava, mas nunca tinha coragem de bater em nós.

segunda-feira, 28 de dezembro de 2009

FRAGMENTOS DE VIDA E FORMAÇÃO IV

Hoje eu refiz minhas viagens revisitando acontecimentos antigos e que muito influenciaram a minha formação como pessoa e como profissional. Que me fizeram vivenciar diferentes formas de ver o mundo, a vida e as pessoas. O aflorar das reminicências se deu quando assistia à defesa de tese de uma amiga muito querida, a Ana Paula Silva da Conceição, cujo tema versa sobre as possibilidades de um "currículo brincante" e fez-me retornar àquele tempo de criança, para constatar como a escola desconsiderava a brincadeira na experiência da aprendizagem. Enquanto Ana Paula fazia a sua apresentação, trazendo a importância do lúdico e do brincar para a formação na Educação Infantil, eu fazia comparações entre as propostas atuais e as experiências dos meus primeiros anos escolares.

A minha escola daquele tempo era muito séria, formal e extremamente colonizadora. As atuais também colonizam, com novos enfoques, mas aquela nos conduzia para a obediência cega, sem contudo impedir o surgimento de comportamentos rebeldes e de posturas tidas como inadequadas. Aquele cotidiano que excluia a ludicidade, aquele currículo desenvolvido apenas como programa de estudos, sem que pudéssemos opinar sobre o que queríamos fazer ou aprender, configurava a sala de aula como um ambiente de tensão constante. Estudar era mais uma obrigação do que um prazer. Quantas vezes eu me perguntava, aflita: por que eu preciso decorar o nome dos acidentes geográficos, das capitais e tantas outras coisas? Para as quais eu não via, naquele momento, uma finalidade na vida prática. Por que sempre me mandam calar a boca quando quero me aprofundar em algum assunto? Por que ninguém explica o que desejo saber?

Por outro lado, nem existia Educação Infantil. Como já relatei no meu primeiro fragmento, entrei na escola com seis anos de idade e já alfabetizada pela minha mãe. As brincadeiras corriam por conta das iniciativas das próprias crianças, ou na hora do recreio ou nos momentos em que não estavam na escola. As cantigas de roda, a picula, o chicotinho queimado, a brincadeira do anel que passava de mão em mão, as adivinhações, o pula corda, o esconde-esconde, a amarelinha... Tudo isto depois de fazer os deveres de casa e também na "boca da noite", como meus pais chamavam as primeiras horas depois que o sol se escondia... Porque, como a cidadezinha era extremamente tranquila, não representava perigo algum para as crianças brincarem na rua, fosse durante o dia ou a noite.

Os pais, depois do jantar, que sempre acontecia por volta das 18 horas, sem luz elétrica, sem TV, ficavam sentados na calçada, conversando, enquanto os filhos brincavam. Também, não tinha movimento de carros nas ruas, todos andavam a pé. Em noites de lua cheia, se não fosse inverno (quando o frio era intenso), a tagarelice dos adultos se estendia até às 21 horas. A cidade toda recolhia-se nos braços de morfeu muito cedo, porque acordava-se também muito cedo, ao raiar do sol, com o canto do galo, o cheiro de terra úmida de orvalho e de café quentinho feito no coador de pano e no bule esmaltado. O leite fresquinho, fervido na hora; o cuscus feito com milho pisado no pilão e cessado na peneira de palha; o pão ainda quentinho saído do forno da padaria; não posso esquecer de citar a abóbora e a batata cozidas e misturadas ao leite; a manteiga de garrafa ou da padaria; o aipim que, como hoje, nem sempre amolecia; faziam parte do cardápio do café da manhã de minha meninice.


Foto atual da minha casa daquela época.
A casa amarela, que naquele tempo não tinha grade e a porta ficava aberta.


Esta é a foto mais antiga que encontrei entre as poucas que minha mãe guarda daquele tempo. Lembro-me ainda do dia em que passou pela minha rua um lambe-lambe, um daqueles fotógrafos que circulavam pelas cidades do interior. As fotos foram tiradas no quintal da nossa casa. Guardo ainda na memória a imagem de minha mãe areando, como se falava na época porque era usada areia fina, talheres para serem usados no almoço. Pena que a foto deste episódio singular se perdeu entre as que foram desbotadas pelo tempo. Nesta ainda podemos ver: Eu, Paulinho e Pequinho. Minha mãe não lembra com exatidão, mas deverímos ter, aproximadamente: Eu cinco anos, Paulinho 3 anos e Pequinho dois anos.

Paulinho gostava muito do peru que era criado no quintal e fez questão de tirar uma foto com ele. Minha mãe criava galinhas e quando estavam gordas e carnudas as matava para o almoço dos domingos. No Natal o costume era matar um peru que passava algum tempo no regime de engorda e levá-lo ao forno de lenha para assar. Por isto acredito que este amigo de Paulinho teve o mesmo fim. Outro costume bem comum era deixar as crianças pequenas (meninos) brincarem nuas. Menos roupa para lavar e passar. Por isto que Pequinho aparece assim nesta foto. Não me lembro, mas ele deve ter feito xixi na roupa com a qual se apresenta na foto anterior.

Até porque lavar roupa naquela época era uma mão de obra! Ensaboava-se, esfregava-se em uma enorme bacia de zinco, estendia-se em um quarador de pedras cuidadosamente arrumado em um local do quintal e molhava-se aquela roupa em pequenos espaços de tempo para que o sol não as queimasse e ficassem bem limpas. Depois eram colocadas novamente na bacia de zinco para enxaguar e estendidas em fios de arame, cuidadosamente armados no quintal, para enxugar. Na minha condição de menina e mais crescidinha, era convidada a ajudar a jogar água na roupa que estava no quarador. Para mim era uma brincadeira a mais, uma festa, por isto fazia com prazer.

Vejam só... quanta coisa, quase esquecida, bem lá no fundo do baú... Casos que vêm à tona quando olhamos pela janela da vida, quando miramos o passado, quando fazemos um retorno aos tempos, momentos e fragmentos de vida e formação. Quanta riqueza de detalhes e de informações recolhemos, a partir de uma associação presente-passado, realidades que nos formam, conformam e nos fazem pessoas. A história de vida, dispositivo de pesquisa utilizado pela minha amiga no seu trabalho sobre um "currículo brincante", fez-me viajar, mais uma vez, para bem distante, para um tempo em que me constituia pessoa, sujeito de minha vida e de minha formação, do jeito da cultura da época, que ajudou e muito contribuiu para meu processo identitário e de todas as pessoas com quem compartilhei aprendizado e vida.

NOTÍCIAS SOBRE O LAMBE-LAMBE:
http://www.google.com.br/imgres?imgurl=http://www.edukbr.com.br/mochila/gifs/lambe_lambe.jpg&imgrefurl=http://www.edukbr.com.br/mochila/lambe_lambe.htm&h=215&w=165&sz=7&tbnid=RrlTUldi-eu6YM:&tbnh=106&tbnw=81&prev=/images%3Fq%3Dlambe-lambe%2Bfotografia&hl=pt-BR&usg=__1jIQbqyg3Cvpzmhf2cLusVqzzU0=&ei=nlk_S8uTHo2luAfBjpWkBw&sa=X&oi=image_result&resnum=5&ct=image&ved=0CBUQ9QEwBA

sábado, 26 de dezembro de 2009

A VIDA TREPIDANTE DE CARMEM MIRANDA

Nº 19 - Rio de Janeiro, 26 de fevereiro de 1949



Aqui começa a história de uma fase romântica da música popular brasileira - Vicente Celestino e suas dolorosas canções - Francisco Alves, Orestes Barbosa, Sílvio Caldas - os primeiros donos do carnaval, desde Sinhô, Caninha, Noel Rosa até Haroldo Lôbo - o ambiente do rádio da época do aparecimento de Carmen Miranda.

A Vida Trepidante de Carmen Miranda


Por David Nasser


O ambiente do rádio brasileiro, naquele tempo, mostrava a febril agitação de tudo o que se inicia sem um programa definido. As transmissões radiofônicas constituíam novidade, mesmo nos países mais adiantados, e a era do gramofone completava o seu ciclo, no Brasil. Os discos da Casa Edison, do saudoso Fred Figner, um bom espírita, porém comerciante de visão, andavam esparramados por todo o Brasil - e antes da possante voz de Vicente Celestino, então no apogeu, começar as suas dolorosas mágoas, o prefixo da loja gravadora era pronunciado, gravemente, por um locutor invariàvelmente o mesmo. Outras fábricas existiam no Rio e em São Paulo, a "Parlophon", a "Brunswick" e uma companhia inglêsa estudava o lançamento neste país de discos maleáveis.

Os sucessos musicais pertenciam, numa esmagadora maioria, a Pixinguinha, Eduardo Souto, Cândido das Neves, Sinhô, Ernesto Nazaré, Donga, Tupinambá, Zequinha de Abreu, Caninha e Ismael Silva, sem contar muitos compositores de menor produção ou que estavam aparecendo, para ocuparem depois o absoluto primeiro plano da música popular brasileira. Entre os novos, o incomparável Ari Barroso, Noel Rosa, João de Barro, pseudônimo de Carlos Braga, que até hoje é um dos campeões do carnaval ("Touradas de Madrid", "Pirata da Perna de Pau", "Gato na Tuba", "Chiquita Bacana"), Antônio Nássara, que fazia parte da equipe de Noel e marcou uma fase da música brasileira, Orestes Barbosa, autor de versos de canções até agora inigualáveis na história de nossas gravações ("Palhaço do Luar", "Chão de Estrêlas", "A Mulher Que Ficou Na Taça") com melodias simples e românticas de Francisco Alves e Sílvio Caldas.

Os dois seresteiros máximos do Brasil - Chico e Sílvio - quando Carmen Miranda fêz a sua estréia, já desfrutavam de popularidade absoluta, êsse prestígio entre as massas que dura até hoje, implacàvelmente. (As últimas pesquisas do IBOPE assinalam para Francisco Alves quase a metade dos ouvintes de cantores nacionais, ocupando Sílvio Caldas uma posição de destaque, apesar de afastado durante três anos do rádio brasileiro, ora procurando cristais de rocha em Goiás, ora caçando diamantes em Minas Gerais, ora varando o Norte e o Nordeste, em busca simplesmente de nada). As canções de Vicente Celestino, por sua vez, infiltravam-se nos lares de maneira impressionante. O astro, em seus recitais pelas cidades do interior, arrastava as maiores avalanches de bilheteria que se podia imaginar. Mas, Vicente Celestino, como ainda hoje, era um caso a parte.

Havia uma coincidência fabulosa no passado de Carmen Miranda, a estreante, e Francisco Alves, já então veterano e em plena ascenção: ambos começaram a vida fazendo chapéus. Aliás, Carmen ainda os fazia, em casa, mesmo depois de iniciada a sua carreira radiofônica. Francisco Alves trabalhou na Fábrica "Mangueira", deixando-a ao obter os primeiros êxitos artísticos, no Teatro S. Pedro. Por sua vez, Sílvio Caldas, ajudante de mecânico de automóveis, servira também como cozinheiro de estrada de rodagem, preparando o angu para os operários nos enormes caldeirões. (Muitas vezes, nas casas dos amigos, êsse bom rapaz que é Sílvio Caldas assume o comando das panelas e organiza feijoadas ou peixadas fabulosas.) Agora, que os seus cabelos estão ficando brancos e sua voz melodiosa como nunca, os hábitos de Sílvio não mudaram e seu imenso desprêzo pelas coisas rotineiras da vida de acentua aos poucos. Ganhou milhões de cruzeiros, foi talvez o artista que mais dinheiro teve em suas mãos, mas não guardou um centavo. "Um perdulário", dizem os colegas. Desorganizado em tudo, terror dos diretores artísticos das emissoras pelas suas faltas na hora do programa ser mandado para o ar, espantalho dos diretores de gravação, porque, na hora em que a orquestra pronta o espera, êle não aparece, sem ordem nem método, Sílvio Caldas é apenas certo e positivo em algo: a mensalidade que envia para um asilo de órfãos, desde há muitos anos, invariàvelmente. Onde quer que esteja, no Ceará, no Amazonas ou no Rio Grande do Sul, o dinheiro parte regularmente. Um sujeito, não há a menor dúvida, de bom coração. Há alguns anos, quando se encontrava em Fortaleza, Sílvio Caldas soube que os leprosos de uma colônia situada a algumas horas da capital cearense, não tinham podido ouvi-lo. Parece que o rádio do lazareto deixara de funcionar na hora exata. Sem avisar a ninguém, Sílvio comprou passagem e rumou para a colônia, de violão debaixo do braço. Na portaria, disse simplesmente: "- Sou o Sílvio Caldas e vim cantar."

A estréia de Carmen Miranda no éter se realizou no Rádio Clube do Brasil, a primeira estação radiofônica dêste país a ser mandada para o ar. Felício Mastrangelo servia, então, como mestre de cerimônias. Não havia dinheiro para os artistas novos - porém Carmen se sentia imensamente feliz em poder cantar para um auditório invisível, porém enorme. Já não era mais o salão de festas domésticas.

Certo dia, Francisco Alves estava em casa, de pijama, lendo a descrição de um jôgo do América, seu team, contra o Fluminense. O rádio ligado, entre os ruídos característicos dos primeiros aparelhos, trouxe a voz de Carmen: Francisco Alves dobrou o jornal e pôs-se a ouvir. Mal a cantora terminou o seu programa, Chico procurou o telefone e fêz uma ligação para o estúdio. - Mastrangelo, avise a essa menina que eu vou aí.

Uma hora depois, Francisco Alves dava entrada no estúdio da Rádio Clube do Brasil. Carmen o esperava, nervosa. Nunca falara com um astro daquela projeção e tinha as mãos suadas. - Olhe aqui, moça! - Principiou Chico Alves, com a sua trovejante e poderosa voz de tenor abaritonado. - Você é um espetáculo! Uma coisa louca!

Carmen ficou vermelha com os elogios à queima-roupa. Todo mundo sabia que o Francisco Alves não mentia e se êle vinha de casa para cumprimentá-la, então, realmente apreciara a sua voz. - E além disso - continuou o Chico - você é uma beleza! Um tipo de brasileira 100%.


SENSACIONALÍSSIMA


Os americanos adoram essas fantasias

sábado, 19 de dezembro de 2009

FRAGMENTOS DE VIDA E FORMAÇÃO III

Mais de dois meses se passaram sem que eu postasse meus fragmentos, qualquer outro assunto ou notícia. Idealizei uma atividade que precisa ser regular, mas ainda não consegui disciplinar-me para atualizar este Blog pelo menos semanalmente. E ainda dizem que professora não trabalha, ou o faz muito pouco. Se antigamente, quando entrei na escola, uma professora já trabalhava muito, agora então, além das atividades docentes ainda temos que estudar bastante para atender às necessidades da formação. Pois vivenciamos uma época em que a produção do conhecimento se dá de forma tão vertiginosa, que nunca estamos suficientemente atualizados e o que sabemos é muito pouco diante do que não sabemos.

Naquele tempo, quando as coisas aconteciam lentamente, quando as notícias demoravam para chegar à pequena cidadezinha, no tempo das revistas “Manchete” e “O cruzeiro”, o conhecimento cabia dentro de alguns livros didáticos como os de História do Brasil e História Geral do professor Antonio José Borges Hermida. Este nome é inesquecível, e mais adiante, em um dos próximos fragmentos vocês compreenderão por que.

Meu pai gostava de ler “O Cruzeiro” e uma vez ou outra ele comprava um número da revista, que era editada e publicada no Rio de Janeiro. Por isso agora, valendo-me dos recursos do ciberespaço, encontrei uma das antigas publicações com a reportagem de David Nasser sobre Carmem Miranda, grande sucesso da música e do cinema e que chamava a atenção de todos pela sua exuberância e talento. A reportagem data de 26 de fevereiro de 1949, ano de meu ingresso na escola da professora Marília (seis anos depois, morre a cantora de problemas cardíacos deixando desolados seus fãs, de todas as idades).

http://www.google.com.br/imgres?imgurl=http://carmen.miranda.nom.br/carmen260.jpg&imgrefurl=http://carmen.miranda.nom.br/cruzeiro.html&h=409&w=300&sz=94&tbnid=RKAx-MlHgeI8_M:&tbnh=125&tbnw=92&prev=/images%3Fq%3Do%2Bcruzeiro%2Brevista&hl=pt-BR&usg=__WnSLORpSj2ITlL4nganTATTsI3Y=&ei=DrItS86yJs2duAeIn9GkBw&sa=X&oi=image_result&resnum=7&ct=image&ved=0CCAQ9QEwBg

Lembro-me de tantas coisas daquele tempo, tenho fotografada na lembrança aquela sala de aula, a carranca da professora, seu duro olhar intimidativo, quando notava alguma travessura. Nossos semblantes eram quase sempre assustados, porque queríamos brincar, conversar, mas não nos era permitida qualquer outra coisa além de movimentar o olhar do caderno para a professora, para o quadro negro, para o caderno, para o livro. Depois desta, nos mudamos para outra sala de aula perto da Praça da Igreja Nova, numa rua estreita, que ainda existe com algumas diferenças porque as casas foram reformadas. A sala era muito grande e as carteiras ficavam enfileiradas bem no centro, com espaços entre as fileiras, o suficiente para que a professora circulasse para acompanhar as nossas atividades. Apesar da severidade própria da época, dona Marília, como a chamávamos respeitosamente, dedicava-se com esmero à nossa aprendizagem e muito do que sei hoje é resultado daquele ensino ao qual nos adaptávamos como algo natural, apesar do incômodo que nos causava o excesso de rigor disciplinar.

Excesso se considerarmos os conceitos atuais, porque era uma prática aceita sem reclamações, seja da sociedade, seja da família; porque, oh céus!... Ainda vejo nitidamente a professora andando pela sala, vigilante, com uma imensa régua na mão, batendo nas nossas pernas sempre que julgava o nosso comportamento incorreto, como por exemplo: olhar para o ou a colega do lado e sorrir, folhear outra coisa que não o material de estudo, ou errar na resposta de uma pergunta inesperada. Pode parecer incrível, mas neste momento recriei uma imagem significativa: ela ia passando ao meu lado e me surpreendeu conversando com a colega de carteira; não deu outra: uma reguada nas pernas e estava eu a derramar lágrimas (silenciosas) pela face envergonhada enquanto ela sorria com a costumeira altivez! Fiquei nesta escola até o quarto ano primário, quando fui fazer o quinto ano com a professora Edith Bulcão.

domingo, 25 de outubro de 2009

FRAGMENTOS DE VIDA E FORMAÇÃO II

Ao mergulhar o pensamento no passado desfilam em cadência vertiginosa, lembranças de uma infância que de tão longe a vejo e a interpreto, revendo e reinventando um viver que dentro de mim sobrevive. A professora Marília era uma mulher bonita e inteligente, atraia a atenção e a admiração de homens e mulheres pela sua elegância e pela independência com que conduzia a sua vida. Ela foi minha professora até a 4ª série do curso primário e depois, no ginásio, professora de História Geral e do Brasil. Foi uma presença marcante, que muito contribuiu para meu processo de formação.

Mas... Continuando a minha narrativa do primeiro dia de aula de minha vida... Cantamos o hino nacional, perfilados, mãos no peito em sinal de muito respeito e patriotismo. Depois, todos muito bem comportados, enfileirados, os menores na frente e eu, pequenina, fiquei frente a frente com a professora. Nossos olhares se cruzaram e ela ordenou que entrássemos na sala e nos acomodássemos, meninas de um lado e meninos do outro. Sentamos dois a dois e duas a duas nas carteiras duplas, cuidadosamente envernizadas, e continuamos em silêncio esperando as suas ordens. Muito séria, ela começou a andar pela sala e explicar como seria a disciplina, os horários de cada atividade e quais os castigos que seriam aplicados em caso de desobediência ou de descumprimento de alguma tarefa. Ninguém ousava fazer qualquer ruído ou despregar dela o olhar, que exigia atenção. Como era diferente do que vivenciamos hoje com nossos alunos! Era melhor do que hoje? Nem melhor nem pior. Apenas diferente, adequado aos valores da época e lá, naquele momento histórico, forjamos a nossa personalidade, orientados por uma educação ainda patriarcal, que definia o que era certo ou errado. Filhos e alunos... Melhor obedecer, pelo bem de todos!...

Durante as aulas de todos os dias era tudo muito igual, bem formatado, horário para tudo: o Hino Nacional na porta da escola, a lição de leitura, o ditado, a cópia, o dever de gramática e de matemática; chatice mesmo era decorar o nome dos presidentes da república e os acontecimentos do governo, o nome dos acidentes geográficos, das capitais dos Estados. Meu Deus... E os nomes dos países com capitais e tudo, as datas, como eu odiava aquelas datas! Não posso me esquecer dos assuntos de ciências naturais: nomes das partes das plantas e características dos animais eram até amenidades diante dos nomes dos ossos do esqueleto... Sabem? O pé e a mão... Com tantos ossinhos, tínhamos que saber o nome de todos e dos músculos também. Para que servia cada um não importava muito, mas tinha que ter tudo na ponta da língua.

E ai de quem desobedecia, de quem não sabia a lição de casa! Pasmem... Que nada, era tudo muito natural, aprovação total da família. Um dia, já mais crescidinha, esqueci de fazer o dever de casa. Não teve jeito, fiquei de joelhos em cima de um monte de milho e nem podia tirar a cara da parede. Ainda me vejo lá, ao lado do quadro negro, sentindo tanta dor e tanta vergonha, que odiei a professora com todas as minhas forças e, ainda mais, levei para casa um bilhete, informando o castigo. Em casa, sermão e mais castigo: naquele dia não fui brincar na rua com os meninos e tive que estudar dobrado. Sabem com que mais eu sonhava? Com o dia em que ficasse grande e não precisasse mais obedecer nem ficar de castigo.

 
Este é o meu pai. Como era bonito!
 
 
A foto de minha mãe apresentarei mais tarde, porque não tenho uma daquela época.
Não era comum as pessoas tirarem fotos. Por isto só tenho duas do meu tempo de criança, quando já era bem crescidinha.

sexta-feira, 23 de outubro de 2009

FRAGMENTOS DE VIDA E FORMAÇÃO I

Depois de algum tempo sem movimentar este Blog, por diferentes motivos, e pensando em uma forma de fazê-lo, conversei com minha filha Elvira, estudante de Comunicação em Relações Públicas e blogueira. Ela lembrou que o blog surgiu como um estilo de diário e considerou pertinente a minha idéia de iniciar uma escrita com fragmentos de vida e formação, compartilhando com outras pessoas. Dessa forma, vi a possibilidade de tirar meu blog do ostracismo e começo as minhas narrativas a partir do meu primeiro dia de aula, em uma Escola primária da cidade de Serrinha, no sertão baiano.

Era o ano de 1950, eu tinha seis anos de idade e fui alfabetizada por minha mãe, a partir dos cinco anos, com a cartilha do ABC. Todos os dias fazia o exercício de decorar as letras na ordem alfabética e copiar no caderno, até que consegui memorizá-las. Minha mãe usava um pedaço de papel com um furo no meio, para posicionar a letra que ela queria que eu identificasse. Se errasse uma sequer, continuava a cantilena do alfabeto, enquanto ela se ocupava com seus afazeres domésticos. Aprendido o ABC, passamos para as sílabas: ba, be, bi, bo, bu; ca, ce, ci, co, o cu eu falava bem baixinho, colocando uma cedilha no ç. O pudor fazia com que minha mãe aprovasse aquela sonoridade e meu pai, quando estava em casa, sempre muito engraçado e irreverente, passava enrolando cuidadosamente o seu cigarro de fumo de corda e dizia sorrindo: mulher, deixa a menina falar o “cu” certo! Eu prendia a risada para não irritar mais a minha mãe, que ficava uma fera com o comportamento dele. Se para o meu pai era engraçado, para ela era um absurdo. Então eu tomava um novo fôlego para dizer da, de, di, do, du... Até o za, ze, zi, zo, zuuuuuu. Que alívio!

Lembro que eram as horas mais amargas de minha vida de menina, aprender a ler através da dor: castigos, palmadas... Mas era um costume da época e estava tudo certo, no seu devido lugar. E não é que eu, com meus seis aninhos, já sabia ler e escrever? Das sílabas para as palavras, para as frases e para os textos do primeiro livro, foi uma viagem, uma aventura com gosto de alegria, de preguiça, de curiosidade e de tristeza por não poder brincar na rua com meus irmãos enquanto não tivesse a lição na ponta da língua. Pois é... Naquele tempo, a gente brincava na rua e a porta da casa, colada no passeio, sem varanda e sem jardim, ficava aberta, ninguém entrava, não tinha ladrão. Somente mendigos pedindo “uma esmolinha pelo amor de Deus”, do passeio mesmo, e a gente levava um pouco de farinha, ou de feijão, ou um pedaço de pão dormido, ou mesmo as sobras do almoço.

Meus irmãos, todos menores do que eu, faziam pirraças, riam de mim quando eu não fazia o dever direito e ficava de castigo. Ficava com inveja deles, que tão pequenos, não precisavam ainda aprender a ler e escrever e eles aproveitavam para me provocar. Paulinho, o mais velho dos três meninos, passava ao meu lado com aquele sorrisinho matreiro, dava um grito e saia correndo. Ah!... que raiva!

Chega o tão sonhado primeiro dia de aula e minha mãe me levou para a Escola da professora Marília Lima de Queiroz, a minha primeira professora. Lembro como se fosse hoje ainda, aquela praça apinhada (como se dizia na época) de meninos e meninas segurando as mãos de suas mães, umas com caras e bocas de medo, lábios trêmulos, outros alegres e confiantes e outros indiferentes, esperando a hora de entrar na sala. Era o salão da frente de uma residência alugada pela prefeitura. Naquele tempo existiam muitas casas com grandes salões, que eram adaptadas para escolas. Eu apertava a mão de minha mãe, com medo e apreensão, porque estava adentrando em um ambiente completamente novo e desconhecido. Sentia-me como uma formiguinha no meio daquelas crianças. A maioria eu não conhecia e era uma menina criada com muito rigor e muito tímida.

Enfim, a professora abriu a porta da Escola, cumprimentou as mães e solicitou que fizéssemos uma fila para cantar o Hino Nacional, puxado por ela. Vejam só... Tudo naquele tempo era muito diferente de hoje. Cantava-se o Hino por obrigação e não sabíamos o que significavam aqueles versos, rimas ricas e tão estranhas à nossa experiência da cartilha do ABC. As professoras eram quase sempre rígidas e indiferentes aos sentimentos infantis. A minha, então, muito séria, nunca sorria e me inspirava muito medo.


Foto atual da pracinha onde funcionava minha primeira Escola. Era uma das casas em frente ao caminhão. Nesta praça moraram por muito tempo três grandes amigas e colegas de ginásio, Vanda e Valdíria Carneiro e Creunita Brizolara, todas professoras.

Bem, agora preciso tomar um banho, me arrumar para trabalhar, atender meus alunos de Pedagogia que me esperam. A entrada na sala de aula e o que aconteceu depois fica para o próximo momento. Deixo aqui, o convite para que quantos leiam esta narrativa, se candidatem a postar seus fragmentos de vida e formação.

domingo, 11 de outubro de 2009

Ontem, dia 10/10/2009, foi a colação de grau com solenidade da primeira turma do Curso de Pedagogia da Universidade Estácio de Sá Unidade Salvador - FIB - Centro Universitário da Bahia, realizada no Centro de Convenções da Bahia. Foi uma cerimônia emocionante, porque muitas histórias ali estavam em potencial, tecidas ao longo de quatro anos de estudos, muitos sonhos realizados, muitos obstáculos superados e um grupo de 37 novas pedagogas para contribuir com o sistema de educação de nossa cidade de Salvador. Algumas das graduadas já atuam em espaços escolares e não escolares em atividades educativas. Outras atuam em empresas em diferentes setores. No dia 26 de setembro foi a colação de grau sem solenidade, no auditório da FIB de outros formandos. Este espaço está aberto para as novas pedagogas e pedagogos colocarem as suas impressões e um pouco dos seus saberes e atividades.