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MEMORIAL DE DOCÊNCIA


Escrever sobre a própria experiência, relembrar um passado que motivou vivências de vários matizes é sempre uma possibilidade de introspecção e de reavaliação do próprio caminhar. É um momento de revelação do próprio estilo de ser, de viver, de fazer escrita e revelações. Neste processo, fiz transgressões na ordem acadêmica, tive momentos de dúvidas sobre que estilo manter nesta construção e tomei decisões em que preponderou o meu modo de ser.


A minha experiência profissional tem sido essencialmente em Educação, com exceção de dois anos em que trabalhei no extinto Banco Nacional da Habitação (BNH). Em determinados momentos se relaciona com gestão educacional, em muitos outros com a docência. Neste memorial optei por fazer uma descrição articulando detalhes/momentos de minha vida afetiva e profissional porque tais fatos explicam e definem as minhas escolhas e decisões que orientaram os rumos de meu aprendizado e da minha formação. Não somos ora pessoas com sentimentos, alegrias e dores, ora profissionais. Somos o resultado das experiências no interjogo das emoções e das obrigações sociais e da profissão.


Este ano de 2012 representa, na minha caminhada, o "ano de ouro", porque são passados 50 anos desde que entrei pela primeira vez na sala de aula para ensinar a meus primeiros alunos depois da formatura em Magistério. Durante os estudos da Escola Normal eu já me dedicava a acompanhar crianças escolares nos deveres de casa, como forma de ganhar alguns trocados para pequenos gastos pessoais. E vale lembrar que foi gratificante para mim, ter como meu professor de Biologia, no curso de Pedagogia, um desses meus alunos de minhas primeiras experiências professorais, o João Mariano, filho de uma prima de minha mãe, muito mais novo que eu, que ia todas as tardes fazer comigo os deveres de casa.


Era um menino tímido, mas inteligente. Eu, apesar da posição de sua professora de "banca", ainda adolescente e com jeito de menina travessa, tudo fazia para deixá-lo inquieto e divertia-me ao vê-lo encolhido na cadeira, com medo de minhas histórias, de bruxas, lobisomens e outras tantas inventadas. Lembro-me de que a copa de minha casa onde ele fazia as lições, tinha uma fenda no piso, decorrente do assentamento mal feito. Um dia eu lhe disse que o chão iria se abrir e todos nós cairíamos, indo parar do outro lado do mundo, no Japão. Ele acreditou e ficou tão assustado, que me valeu uma boa bronca de meu pai, que consolou o menino e desmentiu minha história.


As primeiras marcantes e lúcidas experiências


Foi em Serrinha, pequena cidade do sertão baiano, que cresci e estudei até o curso de magistério. Filha de uma família pobre de Nova Soure, onde nasci, desde o meu primeiro dia escolar alimentei sonhos e esperanças. Alguns não se concretizaram, como o desejo de cursar medicina, pensando em investir na pesquisa e na docência. Esse sonho foi minado pelas dificuldades que atingiam as famílias pobres do interior naquela época e também pelos preconceitos em relação à mulher. Se haviam dificuldades de qualquer ordem, financeiras, principalmente, o filho homem tinha prioridades. E foi o meu irmão mais novo que obteve a permissão de vir para Salvador estudar medicina. Minha mãe sonhava em ter um filho médico, mas uma filha médica não era importante.


Como eu insistia em defender a minha utopia, a nossa relação foi ficando cada dia mais difícil. Meu pai tinha outra visão. Apesar de ser um homem de pouca instrução, filho de lavradores, muitas vezes defendeu a minha causa. Ele resolvera mudar-se de Nova Soure para Serrinha porque queria que seus filhos estudassem e que todos entrassem para a universidade. Entretanto, minha mãe exercia o poder de decisão no processo das relações familiares e um dia ela colocou o ponto final no conflito da seguinte forma: “ou estudar magistério ou o pé do fogão”. Meu pai consolou-me dizendo que seria mais conveniente aceitar a decisão e guardar o sonho para o futuro. Dei-lhe razão, principalmente porque não havia alternativa, eu não tinha coragem de sair de casa numa aventura, sem o apoio da família, há 45 anos atrás, quando eu tinha apenas 16 anos. Fiz então o curso de magistério na Escola Normal da cidade sertaneja, recebendo o diploma de professora primária em dezembro de 1961.


Outro foco de conflito que determinou muito dos caminhos que decidi trilhar, foram as proibições de minha mãe, que influenciava meu pai em muitas coisas. Não podia namorar, nem ir ao cinema, nem sair com minhas amigas. O controle de minha mãe era excessivamente rígido e eu desobedecia com muita frequência, saindo sem permissão, ora pela porta da frente, ora pelo portão dos fundos, sorrateiramente, ora pulando o muro do grande quintal, típico das casas do interior. Ao retornar, castigo certo, mas sentia um gostinho de vitória, por ter desobedecido. Eu outros momentos, "filava aula", como se dizia naquela época, para namorar e/ou sair com os colegas. Se era descoberta, mais castigos, reclamações e discussões. Era tanta a minha insatisfação, que fiz um juramento: quando tivesse filhos, jamais os proibiria de namorar, de passear, de fazer o que eles gostassem. Cumpri a promessa feita a mim mesma e sempre procurei compreender os desejos de meus filhos, sem negligenciar dos conselhos, da assistência e do controle, mas sem as odiosas e diárias proibições.

Novos rumos e novas conquistas

Casei-me em dezembro de 1961, contra a vontade de meus pais, principalmente para conquistar a minha independência, e iniciei minha carreira profissional como professora primária em março de 1962. Apesar de tudo, foi uma decisão que delineou a minha itinerância como profissional, abriu caminhos e pers-pectivas diversas. Uma quase menina de dezoito anos, no auge da sua incompletude, cuja característica mais essencial era a ingenuidade e uma curiosidade romântica em torno dos processos existenciais, mas que sentia a necessidade de trilhar os caminhos que levam à descoberta e à construção de novos desejos e aspirações profissionais.

A cidade a cada dia mais se estendia pelas cercanias. Um singelo morro abrigava pequena população. Casas enfileiradas em derredor, tão parecidas, quase iguais, formavam a grande rua que descia e subia o morro com todas as gentes acalentando sonhos, criando e vivendo histórias, bocas, sorrisos, desejos, olhos que viam e mãos que escreviam coisas do tempo do morro. Vozes que o tempo calou e guardou o seu eco na memória da cidade. Essa foi a minha primeira experiência em educação, numa casinha do morro, onde uma sala de aula foi instalada com o nome de Escola Ipiranga, pelo  saudoso professor e médico José Mota da Silva, para que uma normalista incauta, uma de suas alunas mais queridas,  iniciasse o seu mister.

Aquela sala ficava repleta de crianças, sentadas em fileiras, quase embutidas umas nas outras, com as mãos estendidas em cima dos livros e olhos travessos que dançavam do caderno para o quadro negro na parede e dele para o caderno. Pintura indelével que o tempo não pode apagar porque representou o princípio de uma reconstrução de vida, de um compromisso que com o passar dos anos se fortaleceu e se concretizou cada vez mais.

Foi uma experiência singular e gratificante porque aquelas crianças, de diferentes idades, entre seis e nove anos, chegaram para a Escola Ipiranga, uma escola de uma sala só, para serem alfabetizadas. Muitas nunca tinham tido qualquer contato com aprendizagem formal e no final do ano, demonstravam progressos na leitura e na escrita. O método era o ABC, silabação e tabuada na ponta da língua. Aquelas que não conseguiam chegar ao final do ano lendo a cartilha eram reprovadas.

Como a escola pertencia à rede de “Escolas Isoladas”, categoria tão comum naquela época e que vigorou por muitos anos na cidade, era aconselhado aos pais das crianças reprovadas que procurassem outra escola para matriculá-las. As crianças aprovadas continuavam na escola para cursar o segundo ano primário e as vagas eram preenchidas com a matrícula de novas crianças vindas de outras unidades. A cada início de ano, a turma, com novas possibilidades, encantava-me cada vez mais, até porque, a minha vocação foi despertada no vir-a-ser-sendo do meu novo mister. Se a única opção que tive foi aquela, busquei reunir força de vontade e esperança, porque sabia que seria o começo de uma trajetória que eu continuaria traçando com estudo, planos, sonhos, mitos e novos desejos. Naquela época, a professora seguia com a turma até o quarto e o quinto ano primário. Depois que eles estavam lendo com desenvoltura, a aprendizagem de conteúdos gerais era mais fácil. E, no final do quarto ano, eles podiam fazer a opção do exame de admissão ao ginásio, ou cursar mais um ano, o quinto ano, para ganhar mais experiência. Esta era, na maioria dos casos, uma decisão da família.

Meu novo sonho arquitetado com carinho e vigor, porque eu não desejava ser vencida pela desesperança, foi construir e vivificar um paradigma: seguir as pegadas de minha professora Astrogilda Paiva Guimarães, que, ao lecionar Português, inspirava em seus alunos um profundo respeito, pelo seu sentido pleno de alteridade, de compreensão do humano e principalmente, de crianças, adolescentes e jovens. Uma professora que construiu o seu amplo conhecimento no contato com seus alunos e que me deixou o legado da fé legítima na capacidade de construção do ser, que tem acima de tudo, o desejo de chegar a algum lugar, mesmo quando, em momentos cruciantes, precisa fazer renúncias e definir prioridades.

Em 2009 estive em Serrinha na Semana Santa (semana em que se comemora a morte de Jesus - estranha comemoração, porque ninguém comemora a morte de um ente querido com mesas fartas e muita bebida como acontece na dita semana santa) e fui visitar o antigo Morro Ipiranga, hoje bem diferente, porque as ruas já são pavimentadas e foram construídas muitas casas, ainda que no estilo daquela época, porque é uma rua de pessoas pobres e simples. Queria rever a casa de minha primeira escola e, por incrível que pareça, ela estava lá, agora uma casa residencial e com poucas diferenças daquela época; passara por pequenos reparos. As senhoras idosas que estão na foto lembraram-se da escola e ficaram felizes quando lhes disse que eu era a professora que tinha ensinado lá de 1962 a 1963 e se dispuseram a tirar esta foto que para mim foi muito importante: lembranças representativas de um tempo que passou e ficou na memória afetiva minha e de pessoas que ainda moram na singela rua.

 Moradoras da rua principal do Morro 

Rua da Escola Ipiranga - uma das casas do final da rua.

A Escola Ipiranga foi transferida para o prédio da “Trinta de Junho”, a filarmônica da cidade e, posteriormente, foi extinta pela inadequação de suas instalações. Até 1971, dediquei-me ao magistério em Serrinha em outros bairros e unidades escolares.

Sede reformada da Filarmônica "30 de Junho"

Nas minhas andanças pelas escolas da cidade, em 1964-65 aproximadamente, com a extinção da Escola Ipiranga, retornei ao morro para lecionar na Escola Rui Barbosa, também uma escola de uma sala só, com a diferença de que estava instalada em um armazém que a prefeitura alugara para a escola. Ficava no topo da ladeira que subia o morro, naquela época ladeada de vegetação e hoje habitada por gente igualmente simples. eu lecionava pela manhã e uma colega pela tarde. Todas as manhãs eu saia de casa segurando Toninho pela mão, meu filho mais velho e Séfora, com pouco mais de um ano no braço, deixava na casa de minha mãe, na Rua Antonio Pinheiro da Mota, atravessava a linha do trem e subia o morro para dar aula. Era extremamente cansativo, porque depois da aula voltava pela casa de minha mãe para pegar as crianças e ia para casa. Ela, sensibilizando-se com aquela minha romaria diária, aos poucos foi se disponibilizando para ficar com Toninho durante a semana, o que foi uma grande ajuda. A Rua Antonio Pinheiro da Mota era conhecida como rua da estação - porque no seu final tinha a Estação Ferroviária, parada obrigatória dos trens de passageiros e cargueiros que iam e vinham capital-interior da Bahia.

Rua de acesso ao antigo morro Ipiranga (a rua que subia e descia o morro)

Tomando conhecimento de todo aquele esforço que eu fazia todos os dias, o meu querido professor José Mota da Silva, político influente, lutou até que conseguiu me tirar do morro e passei a lecionar em uma escola perto de minha casa. Além do mais, a Delegada Escolar era sua irmã e ele exigiu que a primeira vaga que surgisse no centro da cidade fosse minha. Assim aconteceu e passei a trabalhar com mais conforto, apenas atravessando duas ruas.

O sonho realimentado

Continuei estudando por conta própria, a fim de que pudesse, em algum lugar do futuro, retomar os estudos acadêmicos, estudar medicina e buscar o aprimoramento da ação educativa que eu sabia ser um conhecimento amplo e importante. Já naquela época, tinha uma grande preocupação com os problemas de dificuldades de aprendizagem que buscava resolver usando a intuição e a experiência vicária. As perspectivas de questionamento e ampliação do conhecimento no interior eram insuficientes e nós, professoras, tínhamos que descobrir nossos próprios caminhos e soluções. Mesmo assim, os resultados que obtínhamos eram bons, considerando que as únicas reuniões que se faziam para discutir educação surgiam dos encontros sociais e informais. Recordo-me apenas de um seminário que reuniu o professorado da cidade para discutir educação, quando já se falava das perspectivas de reformulação da Lei de Diretrizes e Bases 4.024/61.

Nós, professoras das escolas isoladas, elas eram distribuídas por bairros, prestávamos conta de nosso desempenho à Delegada Escolar, que trabalhava em sua própria residência, porque não havia sede oficial da Delegacia Escolar, cargo mais alto na hierarquia da organização da educação na cidade. Ela saia todos os dias em visitação às escolas, mais para checar a assiduidade das professoras do que para acompanhar o trabalho pedagógico. O que nos movia não era o fato de a qualquer momento receber essa visita, mas o desejo de colher no final do ano, os frutos mais gratificantes do nosso trabalho que era a aprendizagem dos nossos alunos.

A busca de uma outra itinerância

A partir de 1972, transferida para lecionar aqui em Salvador, a minha maior preocupação foi: estarei preparada para assumir uma escola na capital? Com certeza, a prática educativa lá estará muito mais avançada! Temores de uma mente preocupada com seu melhor desempenho. Fui designada, era o termo usado na época, para a Escola Casa da Providência, no Bairro da Saúde. Uma escola que funcionava no Convento da Providência, mas era da competência do Estado. Ao iniciar minhas atividades nessa escola, os temores em relação ao meu desempenho desvaneceram-se, ao constatar que o trabalho educativo de minha pequena cidade interiorana nada tinha a dever ao da escola da capital. Senti-me então, segura, confiante e desejosa de empreender novas experiências.

Necessitei, no entanto, fazer alguns ajustes para adaptar-me à nova vida da capital, com cinco filhos pequenos. O sonho de estudar medicina estava cada vez mais distante, porque eu me integrava cada vez mais na tarefa de educadora de meus filhos e dos pequenos escolares. Estruturei, então, cuidadosamente, o novo sonho de preparar-me rumo ao vestibular para Pedagogia, pois sabia ser o único caminho em direção ao aperfeiçoamento da prática pedagógica para servir com maior competência à causa da educação. Pensei, a sorrir de mim para comigo: em uma outra vida, para além desta, em algum lugar do universo, em algum momento do futuro, realizarei o meu sonho perdido.

Por outro lado, o pai de meus filhos, com quem me casara em busca de liberdade e autonomia para minha vida, era omisso em suas obrigações, deixando-me sozinha na administração do lar e no cuidado com os filhos. Como uma estranha ironia, ele me propiciou todas as condições para me tornar a cada dia mais livre e independente, aprendendo cada vez mais a resolver todos os problemas meus e de meus filhos. Isto também me impediu de retomar os estudos, não sobrava tempo, mas nunca negligenciei de minhas obrigações de mãe dedicando-me a eles com muito zelo, certa de que poderia postergar e tentar mais tarde novas conquistas. Não posso, no entanto, esquecer da ajuda que recebia de meus pais e de meus irmãos nesse período.

Outras dificuldades e incertezas surgiram no meu novo cenário e, enquanto estudava por conta própria, como sempre fiz, trabalhava e cuidava da família, observava a decadência da escola pública em Salvador. A cada dia novas inquietações surgiam, os problemas de aprendizagem se avolumavam sem que se pudesse dar conta da demanda. Às vezes me sentia incapaz de encontrar soluções, me sentia solitária nessa busca. Reflexões sobre novas metodologias, previsões inovadoras, ocupavam o espaço das discussões educacionais. Greves e lutas por melhores salários e condições de trabalho aconteceram sem que a desejada melhoria se concretizasse. E a escola pública cedendo cada vez mais espaço para a iniciativa privada. Solicitei transferência para a Escola Monsenhor Ayres, no bairro de Nazaré, esperando encontrar melhores oportunidades de atuação. Procurei dar o melhor de mim, superando as carências organizacionais da escola e buscando minimizar as dificuldades dos alunos.

A partir de 1976, encontrando nessa escola as mesmas dificuldades, principalmente das condições de ensino e pessoas que pareciam estar satisfeitas com o seu padrão de desempenho, vivi uma fase de desencanto educacional que culminou em duas decisões contraditórias e determinantes do encontro de dois sentimentos: o concurso para o extinto Banco Nacional da Habitação (BNH) em dezembro de 1979 e o vestibular para Pedagogia em janeiro de 1980. Em dezembro de 1979, um dia depois de fazer as provas do concurso do BNH, fiquei viúva, iniciando uma nova trajetória e reconstruindo a minha vida ao lado de meus filhos com garra e determinação. Infelizmente, não senti saudades do pai de meus filhos, pelo muito que sofri ao seu lado. Senti piedade, desejo de que ele encontrasse no mais além, no mundo dos Espíritos, paz e vontade de se reerguer como pessoa. Continuei com os meus planos de estudar, encontrando em meus filhos toda a compreensão de que precisava.

O concurso era a determinação de estancar o desencanto com a educação e o vestibular era a manutenção de uma esperança. Entre esses dois pratos de balança estava o fiel, uma licença sem vencimentos por dois anos, a via que deixara aberta para se contrapor a uma decisão precipitada. No BNH, pude observar como existia uma imensa distância entre o conteúdo da legislação brasileira e a sua prática. Os documentos que legislavam e normatizavam as ações do BNH eram de tal expressividade na busca pelo bem estar do cidadão, que me deixavam perplexa diante das atitudes que eram tomadas em nome da mesma Lei. Percebi que as contradições que vivenciara no mundo da educação se faziam presentes ali pela própria condição e impossibilidade do ser humano de agir com justiça e com amor para com seus semelhantes.

Foi nesse clima de incertezas e perplexidades que, já cursando Pedagogia na Faculdade de Educação da Bahia, hoje a extinta Faculdades Integradas Olga Metting, ressignifiquei de forma consciente o desejo de fazer medicina. Aceitei com tranqüilidade, desde então, o desvio da trajetória idealizada nos sonhos da juventude e me reconciliei de forma plena com aquela que estava sendo vivenciada e se tornava cada vez mais importante. O vínculo com a educação se tornara muito forte para que pudesse abandoná-la pura e simplesmente em virtude de uma decepção e de um desejo já tão distante, que se tornara apenas uma lembrança. Considerei o afastamento temporário uma boa estratégia para negociar comigo mesma uma decisão definitiva. E foi uma excelente estratégia, porque ao final de 18 meses afastada da escola, trabalhando no BNH e estudando Pedagogia, redescobri o meu verdadeiro caminho. Pedi demissão da empresa, retornei para a escola e concluí o curso.

Novos horizontes se descortinaram, porque uma outra perspectiva em educação se delineou a partir da construção de novos conhecimentos e novas formas de ver a formação profissional do educador. Novos campos de referência foram sendo gradativamente constituídos e um novo olhar, com qualidade de instituinte, mais aguçado, mais competente, foi incorporado na minha prática escolar. Retomei a sala de aula com mais vigor valorizando cada vez mais o estudo. Nenhum profissional deve parar de estudar, principalmente o educador. Ele é uma pessoa que mais do que ninguém deve valorizar o seu constante vir a ser, a sua condição de incompletude, de inacabamento. Valorizar no sentido de tornar esse inacabamento como a possibilidade de proporcionar-lhe saltos qualitativos cada vez maiores e consistentes. A sensação de estar pronto é incontornavelmente a morte do ser.

Vivenciei, entre 1983, quando conclui o curso de Pedagogia, e 1990, novos rumos existenciais decorrentes da busca por um novo sonho: o de encontrar um companheiro amigo e dedicado. Não aconteceu, porque me relacionei com alguém que não deu conta desse meu desejo e preferi, a partir de  1991, seguir sozinha com minha família. Desse relacionamento nasceu Elvira, minha caçula, mais uma grande alegria daquele momento de minha vida. Ela e meus dois netos, Alan e Aline, meus companheiros inseparáveis.

Em 1985 solicitei transferência da Escola Monsenhor Ayres, para o Colégio Divino Mestre, onde lecionei Didática e Prática de Ensino, no curso de Magistério. Lecionei também as mesmas disciplinas no Colégio Luiz Viana, em regime de aulas suplementares. Mais uma vez, novas experiências e novos aprendizados me oportunizaram um desempenho cada vez mais comprometido, principalmente porque as implicações da prática delineavam a possibilidade de contribuir para a formação de novos educadores. E a maior implicação era compartilhar com os formandos um espaço de discussão sobre a melhoria da qualidade do ensino. Servi à causa da Educação Pública no colégio Divino Mestre até abril de 1991, quando requeri minha aposentadoria por tempo de serviço, pensando em continuar com novas experiências na rede particular de ensino e ainda sonhando com a pós-graduação, desejos que me fortaleciam para não desistir e acreditar que é sempre tempo de recomeçar, de investir nas infinitas possibilidades do ser humano.

Um novo caminhar: depois da aposentadoria, novas conquistas




3 comentários:

Adriano Abreu disse...

Estou muito emocionado com sua trajetória. Linda História!

Lourdes Reis disse...

Professor Adriano, esta é uma história em construção. Depois da aposentadoria muitas experiências têm sido vivenciadas. Necessito atualizar este texto, que resume um estilo de vida, um sentido próprio de ser e de construir a própria existência. A sua postagem inspirou-me a continuar a minha narrativa falando sobre a professora Astrogilda, sobre a influência que ela exerceu na minha formação. E o autorizo a utilizar as informações para o seu trabalho com seus alunos. Começarei amanhã.

Arôvel Lima de Oliveira disse...

Olá! Sou historiador e moro em Araci. Temos ascendentes em comum.
Meu contato é 75992505106