Ao mergulhar o pensamento no passado desfilam em cadência vertiginosa, lembranças de uma infância que de tão longe a vejo e a interpreto, revendo e reinventando um viver que dentro de mim sobrevive. A professora Marília era uma mulher bonita e inteligente, atraia a atenção e a admiração de homens e mulheres pela sua elegância e pela independência com que conduzia a sua vida. Ela foi minha professora até a 4ª série do curso primário e depois, no ginásio, professora de História Geral e do Brasil. Foi uma presença marcante, que muito contribuiu para meu processo de formação.
Mas... Continuando a minha narrativa do primeiro dia de aula de minha vida... Cantamos o hino nacional, perfilados, mãos no peito em sinal de muito respeito e patriotismo. Depois, todos muito bem comportados, enfileirados, os menores na frente e eu, pequenina, fiquei frente a frente com a professora. Nossos olhares se cruzaram e ela ordenou que entrássemos na sala e nos acomodássemos, meninas de um lado e meninos do outro. Sentamos dois a dois e duas a duas nas carteiras duplas, cuidadosamente envernizadas, e continuamos em silêncio esperando as suas ordens. Muito séria, ela começou a andar pela sala e explicar como seria a disciplina, os horários de cada atividade e quais os castigos que seriam aplicados em caso de desobediência ou de descumprimento de alguma tarefa. Ninguém ousava fazer qualquer ruído ou despregar dela o olhar, que exigia atenção. Como era diferente do que vivenciamos hoje com nossos alunos! Era melhor do que hoje? Nem melhor nem pior. Apenas diferente, adequado aos valores da época e lá, naquele momento histórico, forjamos a nossa personalidade, orientados por uma educação ainda patriarcal, que definia o que era certo ou errado. Filhos e alunos... Melhor obedecer, pelo bem de todos!...
Durante as aulas de todos os dias era tudo muito igual, bem formatado, horário para tudo: o Hino Nacional na porta da escola, a lição de leitura, o ditado, a cópia, o dever de gramática e de matemática; chatice mesmo era decorar o nome dos presidentes da república e os acontecimentos do governo, o nome dos acidentes geográficos, das capitais dos Estados. Meu Deus... E os nomes dos países com capitais e tudo, as datas, como eu odiava aquelas datas! Não posso me esquecer dos assuntos de ciências naturais: nomes das partes das plantas e características dos animais eram até amenidades diante dos nomes dos ossos do esqueleto... Sabem? O pé e a mão... Com tantos ossinhos, tínhamos que saber o nome de todos e dos músculos também. Para que servia cada um não importava muito, mas tinha que ter tudo na ponta da língua.
E ai de quem desobedecia, de quem não sabia a lição de casa! Pasmem... Que nada, era tudo muito natural, aprovação total da família. Um dia, já mais crescidinha, esqueci de fazer o dever de casa. Não teve jeito, fiquei de joelhos em cima de um monte de milho e nem podia tirar a cara da parede. Ainda me vejo lá, ao lado do quadro negro, sentindo tanta dor e tanta vergonha, que odiei a professora com todas as minhas forças e, ainda mais, levei para casa um bilhete, informando o castigo. Em casa, sermão e mais castigo: naquele dia não fui brincar na rua com os meninos e tive que estudar dobrado. Sabem com que mais eu sonhava? Com o dia em que ficasse grande e não precisasse mais obedecer nem ficar de castigo.
Este é o meu pai. Como era bonito!
A foto de minha mãe apresentarei mais tarde, porque não tenho uma daquela época.
Não era comum as pessoas tirarem fotos. Por isto só tenho duas do meu tempo de criança, quando já era bem crescidinha.
2 comentários:
Tenho acompanhado a sua história e me vi nessas linhas escritas com tanta riqueza de detalhes. Era exatamente assim a minha vida escolar! As lembranças do passado me ajudaram a entender por que escolhi ser educadora.
Gina, nada mais gratificante do que lembrar as nossas histórias de vida e formação. Nelas estão as sementes que fizemos germinar e que frutificam hoje. Boas sementes nos mantém sempre produtivos e felizes com nossas conquistas. Lourdes Reis
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