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sexta-feira, 23 de outubro de 2009

FRAGMENTOS DE VIDA E FORMAÇÃO I

Depois de algum tempo sem movimentar este Blog, por diferentes motivos, e pensando em uma forma de fazê-lo, conversei com minha filha Elvira, estudante de Comunicação em Relações Públicas e blogueira. Ela lembrou que o blog surgiu como um estilo de diário e considerou pertinente a minha idéia de iniciar uma escrita com fragmentos de vida e formação, compartilhando com outras pessoas. Dessa forma, vi a possibilidade de tirar meu blog do ostracismo e começo as minhas narrativas a partir do meu primeiro dia de aula, em uma Escola primária da cidade de Serrinha, no sertão baiano.

Era o ano de 1950, eu tinha seis anos de idade e fui alfabetizada por minha mãe, a partir dos cinco anos, com a cartilha do ABC. Todos os dias fazia o exercício de decorar as letras na ordem alfabética e copiar no caderno, até que consegui memorizá-las. Minha mãe usava um pedaço de papel com um furo no meio, para posicionar a letra que ela queria que eu identificasse. Se errasse uma sequer, continuava a cantilena do alfabeto, enquanto ela se ocupava com seus afazeres domésticos. Aprendido o ABC, passamos para as sílabas: ba, be, bi, bo, bu; ca, ce, ci, co, o cu eu falava bem baixinho, colocando uma cedilha no ç. O pudor fazia com que minha mãe aprovasse aquela sonoridade e meu pai, quando estava em casa, sempre muito engraçado e irreverente, passava enrolando cuidadosamente o seu cigarro de fumo de corda e dizia sorrindo: mulher, deixa a menina falar o “cu” certo! Eu prendia a risada para não irritar mais a minha mãe, que ficava uma fera com o comportamento dele. Se para o meu pai era engraçado, para ela era um absurdo. Então eu tomava um novo fôlego para dizer da, de, di, do, du... Até o za, ze, zi, zo, zuuuuuu. Que alívio!

Lembro que eram as horas mais amargas de minha vida de menina, aprender a ler através da dor: castigos, palmadas... Mas era um costume da época e estava tudo certo, no seu devido lugar. E não é que eu, com meus seis aninhos, já sabia ler e escrever? Das sílabas para as palavras, para as frases e para os textos do primeiro livro, foi uma viagem, uma aventura com gosto de alegria, de preguiça, de curiosidade e de tristeza por não poder brincar na rua com meus irmãos enquanto não tivesse a lição na ponta da língua. Pois é... Naquele tempo, a gente brincava na rua e a porta da casa, colada no passeio, sem varanda e sem jardim, ficava aberta, ninguém entrava, não tinha ladrão. Somente mendigos pedindo “uma esmolinha pelo amor de Deus”, do passeio mesmo, e a gente levava um pouco de farinha, ou de feijão, ou um pedaço de pão dormido, ou mesmo as sobras do almoço.

Meus irmãos, todos menores do que eu, faziam pirraças, riam de mim quando eu não fazia o dever direito e ficava de castigo. Ficava com inveja deles, que tão pequenos, não precisavam ainda aprender a ler e escrever e eles aproveitavam para me provocar. Paulinho, o mais velho dos três meninos, passava ao meu lado com aquele sorrisinho matreiro, dava um grito e saia correndo. Ah!... que raiva!

Chega o tão sonhado primeiro dia de aula e minha mãe me levou para a Escola da professora Marília Lima de Queiroz, a minha primeira professora. Lembro como se fosse hoje ainda, aquela praça apinhada (como se dizia na época) de meninos e meninas segurando as mãos de suas mães, umas com caras e bocas de medo, lábios trêmulos, outros alegres e confiantes e outros indiferentes, esperando a hora de entrar na sala. Era o salão da frente de uma residência alugada pela prefeitura. Naquele tempo existiam muitas casas com grandes salões, que eram adaptadas para escolas. Eu apertava a mão de minha mãe, com medo e apreensão, porque estava adentrando em um ambiente completamente novo e desconhecido. Sentia-me como uma formiguinha no meio daquelas crianças. A maioria eu não conhecia e era uma menina criada com muito rigor e muito tímida.

Enfim, a professora abriu a porta da Escola, cumprimentou as mães e solicitou que fizéssemos uma fila para cantar o Hino Nacional, puxado por ela. Vejam só... Tudo naquele tempo era muito diferente de hoje. Cantava-se o Hino por obrigação e não sabíamos o que significavam aqueles versos, rimas ricas e tão estranhas à nossa experiência da cartilha do ABC. As professoras eram quase sempre rígidas e indiferentes aos sentimentos infantis. A minha, então, muito séria, nunca sorria e me inspirava muito medo.


Foto atual da pracinha onde funcionava minha primeira Escola. Era uma das casas em frente ao caminhão. Nesta praça moraram por muito tempo três grandes amigas e colegas de ginásio, Vanda e Valdíria Carneiro e Creunita Brizolara, todas professoras.

Bem, agora preciso tomar um banho, me arrumar para trabalhar, atender meus alunos de Pedagogia que me esperam. A entrada na sala de aula e o que aconteceu depois fica para o próximo momento. Deixo aqui, o convite para que quantos leiam esta narrativa, se candidatem a postar seus fragmentos de vida e formação.

5 comentários:

Kátia Gonzaga disse...

Querida Lourdes, que gostoso poder compartilhar de sua história de vida, seu processo de humanização. compartilhar de sua alegria, força, garra e comprometimento com a educação de nossa gente. Vibrar e viver de corpo e alma a experiência de colocar na realidade novos pedagogos, novos educadores, com a esperança de que junto com sua competente equipe de trabalho, tenha contribuido com a formação de pessoas-profissionais que possam com sua ação educativa, humanizar pessoas num mundo tão desumanizador... Leio seu texto, exatamente no meio de uma tarefa extremamente prazerosa de compartilha de outras experiências muito semelhantes às suas, de professoras e professores desse Brasil afora, participantes da 4ª edição do Prêmio Professores do Brasil, onde estou fazendo parte da comissão julgadora. O que nos alimenta a continuar nesse caminho árido da Educação no nosso país, é poder caminhar ao lado de Educadores como você e muitos outros... Foi um grande prazer passeas pelo seu blog. Abraço e sucessos...Kátia

Unknown disse...

Noooossaaa... a sra me fez viajar no tempo... e que viagem!!!

Minha primeira escola foi num Colégio de freiras,só para meninas-o Colégio São Raimundo -, hoje só existe o convento.

Apesar do rigor da época, éramos muito felizes. Brincávamos de amarelinha, batizado de bonecas, o tal cozinhado, lembra?

Sabe que sou sua fã, né?

Parabéns! Um grande beijo.

Ana Carla Moraes disse...

Muito interessante sua estória de vida escolar... Por alguns instantes "viajei", lembrei da minha iniciação nos estudos também: eu tinha exatamente 05 anos recém completos em fevereiro,e sabia ler(do meu jeitinho)e escrever. Minha mãe precisou "brigar" para uma escola que ficava situada na Rua do Paraíso, chamada Escolinha Menino Rei(acho que no bairro de Nazaré), para poder me matricular, pois não queriam me aceitar com tão pouca idade. Então fiz um mine teste e aprovada com nota máxima,fui para a sala da minha prima Rosane que era mais velha que eu e já tinha os 06 anos exigidos. Sempre fui daquelas alunas que só estudavam para tirar 10!!! Lembro bem que na 2ºsérie um professor de matemática me deu 9,0 numa prova. Eu chorei de decepção quando ví a nota e não acreditava que não tinha conseguido os meus acostumados e frequentes 10... Então, no outro dia ao chegar na sala ele assumiu para a turma que tinha se atrapalhado numa questão e que consertaria os erros da correção e quando me chamou à carteira dele falou: "Ana, me desculpe. Você tirou um 10, como sempre..." Fui para casa radiante neste dia para mostrar a minha família que eu não tinha me enganado e que continuava tirando meus merecidos 10. Sempre conto essa estória para meus amigos!!! Beijosssssssssssss

Lourdes Reis disse...

Queridas, obrigada pelas carinhosas contribuições. Aguardem o próximo capítulo de minhas experiências de vida e formação. E as contribuições de todos, com suas especificidades, formarão uma rede de singularidades, de fascinantes apendizagens ao longo da vida.

Lourdes Reis disse...

Katia (Valéria),continue visitando meu blog. É uma forma de estarmos próximas, através do ciberespaço. Darei continuidade aos fragmentos de vida e formação, trazendo episódios que contribuíram para o que sou hoje como pessoa e como profissional da educação. Beijo no coração, Lourdes Reis.