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quarta-feira, 30 de dezembro de 2009

FRAGMENTOS DE VIDA E FORMAÇÃO V

Falar da minha infância é sempre uma aventura prazerosa, porque tive a felicidade de viver em um lugar que me proporcionou certa liberdade para brincar e compartilhar emoções infantis com colegas de escolas e com outros amigos. Brincar na rua, principalmente a noite (na boca da noite) era sempre uma grande alegria. As meninas brincavam frequentemente de cantigas de roda como: "Demarré" e "Pai Francisco". Os meninos gostavam das brincadeiras do "Chicotinho Queimado" e da Picula, porque propiciavam a correria e a disputa. Na minha rua, como já disse, não passava carro, nem existiam carros na cidade naquela época, década de 1950; somente carroças e estas eram recolhidas ao cair da tarde, quando seus proprietários e usuários retornavam para casa depois da "lida" pelo pão de cada dia.

Os brinquedos eram fabricados artesanalmente pelos pais e também comprados na feira: carrinhos de madeira e bonecas de pano. Lembro-me também que existiam bonecas de louça e eu tive uma que se quebrou logo e precisei contentar-me com as de pano. Um de meus irmãos mais novos, o Péricles vulgo Pequinho, tem até hoje uma cicatriz na testa, consequência de uma queda de um caminhão de madeira que meu pai fez para ele e Paulinho, o mais velho, brincarem. Enquanto um sentava na carroceria, o outro empurrava o caminhãozinho e, numa destas experiências, o veículo virou e puft... queda espetacular... para sempre lembrada, pelas funestas consequências!

Em cada rua onde morávamos meus pais faziam muitos amigos. Desta primeira rua, a Barão de cotegipe, lembro-me de alguns, que citarei como os chamava: Dona Cocota e Seu Maninho, que tinham duas filhas, Gracinha e Sonia. Seu Maninho faleceu ainda jovem e Gracinha também. Dona Flora, que morava na casa da esquina. Seu Cipriano e Dona Menininha com a família moravam na casa em frente a minha. Seus filhos: Detinha, Caboquinha, Zelito e Ana Maria. Foram amizades que duram até hoje. Os que já se foram para a Pátria Espiritual (Seu Maninho, Gracinha, Seu  Cipriano e Dona Menininha) deixaram boas lembranças e saudades.

Foto atual da minha primeira rua em Serrinha, esta da qual falo agora, 
porque morei em muitas outras. 
Minha mãe, filha de descendente de ciganos, adorava se mudar de casa com freqüência.

A casa branca da esquina era de Dona Flora, a porta verde era a casa de Dona Cocota, na época, porque hoje ela mora na mesma rua, em outra casa. O espaço com parede branca era a casa (que não existe mais) da minha professora de Artes, no Ginásio, Lourdes Barbosa. Para ir todos os dias à minha primeira escola, da qual já falei nos primeiros fragmentos, eu subia a rua e dobrava à esquerda na esquina da casa de Dona Flora. Andava cerca de 250 metros aproximadamente, até a pracinha da escola.


Foto atual do armazém de meu pai, onde ele negociava com cereais e com cisal, bem em frente à casa branca, de Dona Flora. Ao mudar-se para Salvador, ele vendeu o armazem e hoje no local funciona a Madereira Batista. A parte onde se lê o nome Batista era o armazém de Seu Cipriano. O atual proprietário unificou os dois.

Na época, quando ainda éramos crianças, usávamos o local para nossas brincadeiras nos momentos de folga da escola. Lembro-me bem de um compartimento hermeticamente fechado por uma laje e uma porta de segurança, que impedia a circulação de ar e que meu pai chamava de imunizador; porque era lá que ele guardava os cereais para melhor conservação até o momento da venda.

Um dia o encontramos vazio e tivemos a idéia de brincar lá dentro, Eu Paulinho e Pequinho. Paulinho, que menino capeta! Sempre gostava de aprontar com os irmãos! Nos trancou lá dentro e para nós foi um momento de pânico total, porque a falta de ar puro, o cheiro de farinha e de outros cereias, nos sufocava. Por sorte meu pai apareceu, nos libertou e deu uma bela carreira em Paulino. Ele ensaiava, mas nunca tinha coragem de bater em nós.

segunda-feira, 28 de dezembro de 2009

FRAGMENTOS DE VIDA E FORMAÇÃO IV

Hoje eu refiz minhas viagens revisitando acontecimentos antigos e que muito influenciaram a minha formação como pessoa e como profissional. Que me fizeram vivenciar diferentes formas de ver o mundo, a vida e as pessoas. O aflorar das reminicências se deu quando assistia à defesa de tese de uma amiga muito querida, a Ana Paula Silva da Conceição, cujo tema versa sobre as possibilidades de um "currículo brincante" e fez-me retornar àquele tempo de criança, para constatar como a escola desconsiderava a brincadeira na experiência da aprendizagem. Enquanto Ana Paula fazia a sua apresentação, trazendo a importância do lúdico e do brincar para a formação na Educação Infantil, eu fazia comparações entre as propostas atuais e as experiências dos meus primeiros anos escolares.

A minha escola daquele tempo era muito séria, formal e extremamente colonizadora. As atuais também colonizam, com novos enfoques, mas aquela nos conduzia para a obediência cega, sem contudo impedir o surgimento de comportamentos rebeldes e de posturas tidas como inadequadas. Aquele cotidiano que excluia a ludicidade, aquele currículo desenvolvido apenas como programa de estudos, sem que pudéssemos opinar sobre o que queríamos fazer ou aprender, configurava a sala de aula como um ambiente de tensão constante. Estudar era mais uma obrigação do que um prazer. Quantas vezes eu me perguntava, aflita: por que eu preciso decorar o nome dos acidentes geográficos, das capitais e tantas outras coisas? Para as quais eu não via, naquele momento, uma finalidade na vida prática. Por que sempre me mandam calar a boca quando quero me aprofundar em algum assunto? Por que ninguém explica o que desejo saber?

Por outro lado, nem existia Educação Infantil. Como já relatei no meu primeiro fragmento, entrei na escola com seis anos de idade e já alfabetizada pela minha mãe. As brincadeiras corriam por conta das iniciativas das próprias crianças, ou na hora do recreio ou nos momentos em que não estavam na escola. As cantigas de roda, a picula, o chicotinho queimado, a brincadeira do anel que passava de mão em mão, as adivinhações, o pula corda, o esconde-esconde, a amarelinha... Tudo isto depois de fazer os deveres de casa e também na "boca da noite", como meus pais chamavam as primeiras horas depois que o sol se escondia... Porque, como a cidadezinha era extremamente tranquila, não representava perigo algum para as crianças brincarem na rua, fosse durante o dia ou a noite.

Os pais, depois do jantar, que sempre acontecia por volta das 18 horas, sem luz elétrica, sem TV, ficavam sentados na calçada, conversando, enquanto os filhos brincavam. Também, não tinha movimento de carros nas ruas, todos andavam a pé. Em noites de lua cheia, se não fosse inverno (quando o frio era intenso), a tagarelice dos adultos se estendia até às 21 horas. A cidade toda recolhia-se nos braços de morfeu muito cedo, porque acordava-se também muito cedo, ao raiar do sol, com o canto do galo, o cheiro de terra úmida de orvalho e de café quentinho feito no coador de pano e no bule esmaltado. O leite fresquinho, fervido na hora; o cuscus feito com milho pisado no pilão e cessado na peneira de palha; o pão ainda quentinho saído do forno da padaria; não posso esquecer de citar a abóbora e a batata cozidas e misturadas ao leite; a manteiga de garrafa ou da padaria; o aipim que, como hoje, nem sempre amolecia; faziam parte do cardápio do café da manhã de minha meninice.


Foto atual da minha casa daquela época.
A casa amarela, que naquele tempo não tinha grade e a porta ficava aberta.


Esta é a foto mais antiga que encontrei entre as poucas que minha mãe guarda daquele tempo. Lembro-me ainda do dia em que passou pela minha rua um lambe-lambe, um daqueles fotógrafos que circulavam pelas cidades do interior. As fotos foram tiradas no quintal da nossa casa. Guardo ainda na memória a imagem de minha mãe areando, como se falava na época porque era usada areia fina, talheres para serem usados no almoço. Pena que a foto deste episódio singular se perdeu entre as que foram desbotadas pelo tempo. Nesta ainda podemos ver: Eu, Paulinho e Pequinho. Minha mãe não lembra com exatidão, mas deverímos ter, aproximadamente: Eu cinco anos, Paulinho 3 anos e Pequinho dois anos.

Paulinho gostava muito do peru que era criado no quintal e fez questão de tirar uma foto com ele. Minha mãe criava galinhas e quando estavam gordas e carnudas as matava para o almoço dos domingos. No Natal o costume era matar um peru que passava algum tempo no regime de engorda e levá-lo ao forno de lenha para assar. Por isto acredito que este amigo de Paulinho teve o mesmo fim. Outro costume bem comum era deixar as crianças pequenas (meninos) brincarem nuas. Menos roupa para lavar e passar. Por isto que Pequinho aparece assim nesta foto. Não me lembro, mas ele deve ter feito xixi na roupa com a qual se apresenta na foto anterior.

Até porque lavar roupa naquela época era uma mão de obra! Ensaboava-se, esfregava-se em uma enorme bacia de zinco, estendia-se em um quarador de pedras cuidadosamente arrumado em um local do quintal e molhava-se aquela roupa em pequenos espaços de tempo para que o sol não as queimasse e ficassem bem limpas. Depois eram colocadas novamente na bacia de zinco para enxaguar e estendidas em fios de arame, cuidadosamente armados no quintal, para enxugar. Na minha condição de menina e mais crescidinha, era convidada a ajudar a jogar água na roupa que estava no quarador. Para mim era uma brincadeira a mais, uma festa, por isto fazia com prazer.

Vejam só... quanta coisa, quase esquecida, bem lá no fundo do baú... Casos que vêm à tona quando olhamos pela janela da vida, quando miramos o passado, quando fazemos um retorno aos tempos, momentos e fragmentos de vida e formação. Quanta riqueza de detalhes e de informações recolhemos, a partir de uma associação presente-passado, realidades que nos formam, conformam e nos fazem pessoas. A história de vida, dispositivo de pesquisa utilizado pela minha amiga no seu trabalho sobre um "currículo brincante", fez-me viajar, mais uma vez, para bem distante, para um tempo em que me constituia pessoa, sujeito de minha vida e de minha formação, do jeito da cultura da época, que ajudou e muito contribuiu para meu processo identitário e de todas as pessoas com quem compartilhei aprendizado e vida.

NOTÍCIAS SOBRE O LAMBE-LAMBE:
http://www.google.com.br/imgres?imgurl=http://www.edukbr.com.br/mochila/gifs/lambe_lambe.jpg&imgrefurl=http://www.edukbr.com.br/mochila/lambe_lambe.htm&h=215&w=165&sz=7&tbnid=RrlTUldi-eu6YM:&tbnh=106&tbnw=81&prev=/images%3Fq%3Dlambe-lambe%2Bfotografia&hl=pt-BR&usg=__1jIQbqyg3Cvpzmhf2cLusVqzzU0=&ei=nlk_S8uTHo2luAfBjpWkBw&sa=X&oi=image_result&resnum=5&ct=image&ved=0CBUQ9QEwBA

sábado, 26 de dezembro de 2009

A VIDA TREPIDANTE DE CARMEM MIRANDA

Nº 19 - Rio de Janeiro, 26 de fevereiro de 1949



Aqui começa a história de uma fase romântica da música popular brasileira - Vicente Celestino e suas dolorosas canções - Francisco Alves, Orestes Barbosa, Sílvio Caldas - os primeiros donos do carnaval, desde Sinhô, Caninha, Noel Rosa até Haroldo Lôbo - o ambiente do rádio da época do aparecimento de Carmen Miranda.

A Vida Trepidante de Carmen Miranda


Por David Nasser


O ambiente do rádio brasileiro, naquele tempo, mostrava a febril agitação de tudo o que se inicia sem um programa definido. As transmissões radiofônicas constituíam novidade, mesmo nos países mais adiantados, e a era do gramofone completava o seu ciclo, no Brasil. Os discos da Casa Edison, do saudoso Fred Figner, um bom espírita, porém comerciante de visão, andavam esparramados por todo o Brasil - e antes da possante voz de Vicente Celestino, então no apogeu, começar as suas dolorosas mágoas, o prefixo da loja gravadora era pronunciado, gravemente, por um locutor invariàvelmente o mesmo. Outras fábricas existiam no Rio e em São Paulo, a "Parlophon", a "Brunswick" e uma companhia inglêsa estudava o lançamento neste país de discos maleáveis.

Os sucessos musicais pertenciam, numa esmagadora maioria, a Pixinguinha, Eduardo Souto, Cândido das Neves, Sinhô, Ernesto Nazaré, Donga, Tupinambá, Zequinha de Abreu, Caninha e Ismael Silva, sem contar muitos compositores de menor produção ou que estavam aparecendo, para ocuparem depois o absoluto primeiro plano da música popular brasileira. Entre os novos, o incomparável Ari Barroso, Noel Rosa, João de Barro, pseudônimo de Carlos Braga, que até hoje é um dos campeões do carnaval ("Touradas de Madrid", "Pirata da Perna de Pau", "Gato na Tuba", "Chiquita Bacana"), Antônio Nássara, que fazia parte da equipe de Noel e marcou uma fase da música brasileira, Orestes Barbosa, autor de versos de canções até agora inigualáveis na história de nossas gravações ("Palhaço do Luar", "Chão de Estrêlas", "A Mulher Que Ficou Na Taça") com melodias simples e românticas de Francisco Alves e Sílvio Caldas.

Os dois seresteiros máximos do Brasil - Chico e Sílvio - quando Carmen Miranda fêz a sua estréia, já desfrutavam de popularidade absoluta, êsse prestígio entre as massas que dura até hoje, implacàvelmente. (As últimas pesquisas do IBOPE assinalam para Francisco Alves quase a metade dos ouvintes de cantores nacionais, ocupando Sílvio Caldas uma posição de destaque, apesar de afastado durante três anos do rádio brasileiro, ora procurando cristais de rocha em Goiás, ora caçando diamantes em Minas Gerais, ora varando o Norte e o Nordeste, em busca simplesmente de nada). As canções de Vicente Celestino, por sua vez, infiltravam-se nos lares de maneira impressionante. O astro, em seus recitais pelas cidades do interior, arrastava as maiores avalanches de bilheteria que se podia imaginar. Mas, Vicente Celestino, como ainda hoje, era um caso a parte.

Havia uma coincidência fabulosa no passado de Carmen Miranda, a estreante, e Francisco Alves, já então veterano e em plena ascenção: ambos começaram a vida fazendo chapéus. Aliás, Carmen ainda os fazia, em casa, mesmo depois de iniciada a sua carreira radiofônica. Francisco Alves trabalhou na Fábrica "Mangueira", deixando-a ao obter os primeiros êxitos artísticos, no Teatro S. Pedro. Por sua vez, Sílvio Caldas, ajudante de mecânico de automóveis, servira também como cozinheiro de estrada de rodagem, preparando o angu para os operários nos enormes caldeirões. (Muitas vezes, nas casas dos amigos, êsse bom rapaz que é Sílvio Caldas assume o comando das panelas e organiza feijoadas ou peixadas fabulosas.) Agora, que os seus cabelos estão ficando brancos e sua voz melodiosa como nunca, os hábitos de Sílvio não mudaram e seu imenso desprêzo pelas coisas rotineiras da vida de acentua aos poucos. Ganhou milhões de cruzeiros, foi talvez o artista que mais dinheiro teve em suas mãos, mas não guardou um centavo. "Um perdulário", dizem os colegas. Desorganizado em tudo, terror dos diretores artísticos das emissoras pelas suas faltas na hora do programa ser mandado para o ar, espantalho dos diretores de gravação, porque, na hora em que a orquestra pronta o espera, êle não aparece, sem ordem nem método, Sílvio Caldas é apenas certo e positivo em algo: a mensalidade que envia para um asilo de órfãos, desde há muitos anos, invariàvelmente. Onde quer que esteja, no Ceará, no Amazonas ou no Rio Grande do Sul, o dinheiro parte regularmente. Um sujeito, não há a menor dúvida, de bom coração. Há alguns anos, quando se encontrava em Fortaleza, Sílvio Caldas soube que os leprosos de uma colônia situada a algumas horas da capital cearense, não tinham podido ouvi-lo. Parece que o rádio do lazareto deixara de funcionar na hora exata. Sem avisar a ninguém, Sílvio comprou passagem e rumou para a colônia, de violão debaixo do braço. Na portaria, disse simplesmente: "- Sou o Sílvio Caldas e vim cantar."

A estréia de Carmen Miranda no éter se realizou no Rádio Clube do Brasil, a primeira estação radiofônica dêste país a ser mandada para o ar. Felício Mastrangelo servia, então, como mestre de cerimônias. Não havia dinheiro para os artistas novos - porém Carmen se sentia imensamente feliz em poder cantar para um auditório invisível, porém enorme. Já não era mais o salão de festas domésticas.

Certo dia, Francisco Alves estava em casa, de pijama, lendo a descrição de um jôgo do América, seu team, contra o Fluminense. O rádio ligado, entre os ruídos característicos dos primeiros aparelhos, trouxe a voz de Carmen: Francisco Alves dobrou o jornal e pôs-se a ouvir. Mal a cantora terminou o seu programa, Chico procurou o telefone e fêz uma ligação para o estúdio. - Mastrangelo, avise a essa menina que eu vou aí.

Uma hora depois, Francisco Alves dava entrada no estúdio da Rádio Clube do Brasil. Carmen o esperava, nervosa. Nunca falara com um astro daquela projeção e tinha as mãos suadas. - Olhe aqui, moça! - Principiou Chico Alves, com a sua trovejante e poderosa voz de tenor abaritonado. - Você é um espetáculo! Uma coisa louca!

Carmen ficou vermelha com os elogios à queima-roupa. Todo mundo sabia que o Francisco Alves não mentia e se êle vinha de casa para cumprimentá-la, então, realmente apreciara a sua voz. - E além disso - continuou o Chico - você é uma beleza! Um tipo de brasileira 100%.


SENSACIONALÍSSIMA


Os americanos adoram essas fantasias

sábado, 19 de dezembro de 2009

FRAGMENTOS DE VIDA E FORMAÇÃO III

Mais de dois meses se passaram sem que eu postasse meus fragmentos, qualquer outro assunto ou notícia. Idealizei uma atividade que precisa ser regular, mas ainda não consegui disciplinar-me para atualizar este Blog pelo menos semanalmente. E ainda dizem que professora não trabalha, ou o faz muito pouco. Se antigamente, quando entrei na escola, uma professora já trabalhava muito, agora então, além das atividades docentes ainda temos que estudar bastante para atender às necessidades da formação. Pois vivenciamos uma época em que a produção do conhecimento se dá de forma tão vertiginosa, que nunca estamos suficientemente atualizados e o que sabemos é muito pouco diante do que não sabemos.

Naquele tempo, quando as coisas aconteciam lentamente, quando as notícias demoravam para chegar à pequena cidadezinha, no tempo das revistas “Manchete” e “O cruzeiro”, o conhecimento cabia dentro de alguns livros didáticos como os de História do Brasil e História Geral do professor Antonio José Borges Hermida. Este nome é inesquecível, e mais adiante, em um dos próximos fragmentos vocês compreenderão por que.

Meu pai gostava de ler “O Cruzeiro” e uma vez ou outra ele comprava um número da revista, que era editada e publicada no Rio de Janeiro. Por isso agora, valendo-me dos recursos do ciberespaço, encontrei uma das antigas publicações com a reportagem de David Nasser sobre Carmem Miranda, grande sucesso da música e do cinema e que chamava a atenção de todos pela sua exuberância e talento. A reportagem data de 26 de fevereiro de 1949, ano de meu ingresso na escola da professora Marília (seis anos depois, morre a cantora de problemas cardíacos deixando desolados seus fãs, de todas as idades).

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Lembro-me de tantas coisas daquele tempo, tenho fotografada na lembrança aquela sala de aula, a carranca da professora, seu duro olhar intimidativo, quando notava alguma travessura. Nossos semblantes eram quase sempre assustados, porque queríamos brincar, conversar, mas não nos era permitida qualquer outra coisa além de movimentar o olhar do caderno para a professora, para o quadro negro, para o caderno, para o livro. Depois desta, nos mudamos para outra sala de aula perto da Praça da Igreja Nova, numa rua estreita, que ainda existe com algumas diferenças porque as casas foram reformadas. A sala era muito grande e as carteiras ficavam enfileiradas bem no centro, com espaços entre as fileiras, o suficiente para que a professora circulasse para acompanhar as nossas atividades. Apesar da severidade própria da época, dona Marília, como a chamávamos respeitosamente, dedicava-se com esmero à nossa aprendizagem e muito do que sei hoje é resultado daquele ensino ao qual nos adaptávamos como algo natural, apesar do incômodo que nos causava o excesso de rigor disciplinar.

Excesso se considerarmos os conceitos atuais, porque era uma prática aceita sem reclamações, seja da sociedade, seja da família; porque, oh céus!... Ainda vejo nitidamente a professora andando pela sala, vigilante, com uma imensa régua na mão, batendo nas nossas pernas sempre que julgava o nosso comportamento incorreto, como por exemplo: olhar para o ou a colega do lado e sorrir, folhear outra coisa que não o material de estudo, ou errar na resposta de uma pergunta inesperada. Pode parecer incrível, mas neste momento recriei uma imagem significativa: ela ia passando ao meu lado e me surpreendeu conversando com a colega de carteira; não deu outra: uma reguada nas pernas e estava eu a derramar lágrimas (silenciosas) pela face envergonhada enquanto ela sorria com a costumeira altivez! Fiquei nesta escola até o quarto ano primário, quando fui fazer o quinto ano com a professora Edith Bulcão.