Falar da minha infância é sempre uma aventura prazerosa, porque tive a felicidade de viver em um lugar que me proporcionou certa liberdade para brincar e compartilhar emoções infantis com colegas de escolas e com outros amigos. Brincar na rua, principalmente a noite (na boca da noite) era sempre uma grande alegria. As meninas brincavam frequentemente de cantigas de roda como: "Demarré" e "Pai Francisco". Os meninos gostavam das brincadeiras do "Chicotinho Queimado" e da Picula, porque propiciavam a correria e a disputa. Na minha rua, como já disse, não passava carro, nem existiam carros na cidade naquela época, década de 1950; somente carroças e estas eram recolhidas ao cair da tarde, quando seus proprietários e usuários retornavam para casa depois da "lida" pelo pão de cada dia.
Os brinquedos eram fabricados artesanalmente pelos pais e também comprados na feira: carrinhos de madeira e bonecas de pano. Lembro-me também que existiam bonecas de louça e eu tive uma que se quebrou logo e precisei contentar-me com as de pano. Um de meus irmãos mais novos, o Péricles vulgo Pequinho, tem até hoje uma cicatriz na testa, consequência de uma queda de um caminhão de madeira que meu pai fez para ele e Paulinho, o mais velho, brincarem. Enquanto um sentava na carroceria, o outro empurrava o caminhãozinho e, numa destas experiências, o veículo virou e puft... queda espetacular... para sempre lembrada, pelas funestas consequências!
Em cada rua onde morávamos meus pais faziam muitos amigos. Desta primeira rua, a Barão de cotegipe, lembro-me de alguns, que citarei como os chamava: Dona Cocota e Seu Maninho, que tinham duas filhas, Gracinha e Sonia. Seu Maninho faleceu ainda jovem e Gracinha também. Dona Flora, que morava na casa da esquina. Seu Cipriano e Dona Menininha com a família moravam na casa em frente a minha. Seus filhos: Detinha, Caboquinha, Zelito e Ana Maria. Foram amizades que duram até hoje. Os que já se foram para a Pátria Espiritual (Seu Maninho, Gracinha, Seu Cipriano e Dona Menininha) deixaram boas lembranças e saudades.
Foto atual da minha primeira rua em Serrinha, esta da qual falo agora,
porque morei em muitas outras.
Minha mãe, filha de descendente de ciganos, adorava se mudar de casa com freqüência.
A casa branca da esquina era de Dona Flora, a porta verde era a casa de Dona Cocota, na época, porque hoje ela mora na mesma rua, em outra casa. O espaço com parede branca era a casa (que não existe mais) da minha professora de Artes, no Ginásio, Lourdes Barbosa. Para ir todos os dias à minha primeira escola, da qual já falei nos primeiros fragmentos, eu subia a rua e dobrava à esquerda na esquina da casa de Dona Flora. Andava cerca de 250 metros aproximadamente, até a pracinha da escola.
Foto atual do armazém de meu pai, onde ele negociava com cereais e com cisal, bem em frente à casa branca, de Dona Flora. Ao mudar-se para Salvador, ele vendeu o armazem e hoje no local funciona a Madereira Batista. A parte onde se lê o nome Batista era o armazém de Seu Cipriano. O atual proprietário unificou os dois.
Na época, quando ainda éramos crianças, usávamos o local para nossas brincadeiras nos momentos de folga da escola. Lembro-me bem de um compartimento hermeticamente fechado por uma laje e uma porta de segurança, que impedia a circulação de ar e que meu pai chamava de imunizador; porque era lá que ele guardava os cereais para melhor conservação até o momento da venda.
Um dia o encontramos vazio e tivemos a idéia de brincar lá dentro, Eu Paulinho e Pequinho. Paulinho, que menino capeta! Sempre gostava de aprontar com os irmãos! Nos trancou lá dentro e para nós foi um momento de pânico total, porque a falta de ar puro, o cheiro de farinha e de outros cereias, nos sufocava. Por sorte meu pai apareceu, nos libertou e deu uma bela carreira em Paulino. Ele ensaiava, mas nunca tinha coragem de bater em nós.