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sábado, 4 de maio de 2013

Meus comigos... de Ti... Contigo...

Recordações... O que são?... Neste caso de mim, são revisões que reconfortam o meu viver... Olhar para o passado com a perspectiva de remarcar momentos importantes que definiram o meu jeito de ser, faz-me compreender o que de mim fez o que sou hoje.

Os meus tempos de ginásio foram aqueles que modelaram a menina moça, estudante e quase mulher, que sufocava os anseios de uma juventude marcada pelas proibições e pelos preconceitos. Naquele tempo eu me sentia solitária por não me fazer compreender pelos adultos que decidiam sobre minha vida. Depois, quando mulher verdadeiramente, me senti solitária por não me ter sido permitido vivenciar a minha mais preciosa escolha: o amor da criança que viu o seu "príncipe" e ouviu alguém com autoridade suficiente dizer que não poderia, que era proibido! Oh! Céus!... Aceitei... Aceitamos... Silenciamos... sublimando tudo em terna amizade, na solicitude inevitável de quem teve como única alternativa obedecer... Sufoquei? Não... Guardei no mais recôndito de mim, um sentimento gigante... guardei e escondi de olhares e percepções indiscretas e inconsequentes o meu mais preciso bem: o amor... a ternura... o doce encantamento que dois olhares sentiam e nele se faziam compreender.

Naquele tempo eu não sabia que futuro teria a minha Fênix... se um dia Ela despertaria... Hoje eu sei... alimentei-a com tanto carinho, que hoje Ela reina em minha vida, liberta de todas as frustrações do passado. Hoje ninguém tem poder sobre Ela! O amor venceu! Sobreviveu além desta vida e, para quem acredita em vidas futuras porque sabe, sobreviverá para sempre, pela eternidade... Esta verdade está dentro de mim, ninguém a compreende além de mim... Não sinto mais solidão, aquela que senti em todos os anos de minha vida em que vivenciei com pessoas que busquei amar... que amei... passageiramente... sem ternura... por uma necessidade de substituir algo em mim que me nutria e que não estava comigo objetivamente, mas no meu mais íntimo de mim. E, sorrateiramente... delicadamente... ternamente... o retorno do sonho alimenta o meu viver e me faz promessas... Aquelas que o tempo não apagou... que viverão para sempre... aqui, agora e em algum lugar do futuro...

Sim, porque a minha Fênix alçou voo para o infinito, mergulhou no mar imenso da eternidade, deixando-me aqui, descontente e solitária, buscando os acordes de seu Amor que vibram na ternura do vir a Ser de nós Dois.

A Ti dedico... De Camões

Alma minha gentil, que te partiste

Tão cedo desta vida descontente, 
Repousa lá no Céu eternamente, 
E viva eu cá na terra sempre triste. 


Se lá no assento Etéreo, onde subiste, 
Memória desta vida se consente, 
Não te esqueças daquele amor ardente, 
Que já nos olhos meus tão puro viste. 

E se vires que pode merecer-te 
Alguma cousa a dor que me ficou 
Da mágoa, sem remédio, de perder-te, 

Roga a Deus, que teus anos encurtou, 
Que tão cedo de cá me leve a ver-te, 
Quão cedo de meus olhos te levou.


Dedico este poema a alguém que desta vida partiu há muitos anos, deixando uma saudade imensa no meu coração de menina e uma esperança que se concretizará em algum lugar do universo, em algum momento do futuro. 

quinta-feira, 3 de janeiro de 2013

FRAGMENTOS DE VIDA E FORMAÇÃO XIV



Minha turma do Ginásio - Farda com saia de prega e blusa branca. As tiras azuis na gola indicavam a série que cursávamos. Estas fotos foram tiradas na terceira série. Era uma mão de obra, todos os dias, chegar em casa, arrumar a saia em baixo do colchão, para conservar o pregueado, tinha que ficar impecável. A blusa tinha que ser muito branca, não podia ficar encardida.

A turma era só de moças? Claro que não... Tinha rapazes também. Lembro do Antonio Peixinho, irmão de Terezinha, do Josafá - o gênio da turma, do Ezequiel - o CDF, do Rubem, do João, do Darlan etc. Mas via de regra, só nos misturávamos dentro da sala, durante as aulas. Nos outros momentos era nítida a separação entre luluzinhas e bolinas. Quando éramos vistas conversando com um dos rapazes, pensavam logo que era namoro.

Em 1956, cursava a segunda série ginasial, com 13 anos, no calor da adolescência, com a mente povoada de turbulências, indagações, curiosidades... Sentimentos apaixonados... A vivenciar tudo isto em um clima de autoritarismo pedagógico e familiar. Os professores, cada um com a sua personalidade e o seu jeito de ser, desenvolvia o seu trabalho primando pelos seus princípios. Enquanto alguns demonstravam maior capacidade de compreensão para com a juventude, como as professoras Astrogilda – de Português, a professora Evoá – de Ciências e até mesmo o Padre Demócrito – de Latim; outros eram mais severos, como a professora Marília – de História, o professor Valdir Cerqueira – de Matemática e, especialmente a professora Aydil, que, além de professora de Desenho, era também a Diretora do Ginásio e administrava com rigidez exagerada.

Um dia eu estava a filar aula com duas colegas, Suzete e Zeza. Fomos conversar na Escola Normal, que ficava bem perto do Ginásio, na mesma rua. O professor Valdir Cerqueira apareceu, nos cumprimentou, deu uma rizadinha zombeteira para nós e seguiu. Falei: “precisamos voltar, porque ele vai direto contar para a professora Aydil que nos viu filando aula”. Dito e certo. Ao chegar no Ginásio, já fomos logo encaminhadas para a sala da diretoria. Encontramos dona Aydil, como a chamávamos, possessa, destilando raiva por todos os poros.

Ela nos colocou de pé na sua frente, alinhadas, e começou o interrogatório. A pergunta foi, para todas: “porque estavam filando aula?”. Zeza e Suzete, com voz trêmula, apresentaram uma desculpa qualquer: que tinham chegado atrasadas, que não dera tempo para alcançar a primeira aula e estavam esperando o horário da aula seguinte. Como eu permanecia calada, ela repetiu para mim a pergunta: “e a senhorita, por que estava filando aula?”. Com o meu habitual atrevimento, se considerarmos os padrões da época, em que não tínhamos o direito de ter ou de expressar vontade própria, respondi: “porque quis”. Ela, mais indignada ainda, repetiu a pergunta a vociferar: “diga a verdade, por que estava filando aula?”. Repeti a resposta: “porque quis, não tive outro motivo, estou falando a verdade”.

Ela, totalmente indignada, liberou minhas colegas para assistir as próximas aulas, aceitando as suas explicações e eu permaneci sentada, de castigo e esperando outro veredicto. A secretária foi chamada e solicitada a bater (termo usado na época para digitação em máquinas de datilografia – porque era mesmo o bate-bate nas teclas que fazia surgir a escrita) o texto de minha suspensão por dois dias. Naquele momento quem ficou indignada fui eu, porque falei a verdade e mais uma vez constatei que nós, alunas, não tínhamos vontade nem éramos respeitadas nas nossas decisões e nem mesmo quando falávamos a verdade. Nem um conselho, nem um argumento para demonstrar a importância de participar das aulas, apenas a arrogância e o autoritarismo. Naquele momento odiei aquela mulher, pelo que considerei uma arrogância sem limites.

Eu já não gostava dela, porque um dia, na sua aula de desenho, quando ela estava ensinando como desenhar com a base quadriculada, ao passar pela minha carteira e verificar que eu começara a esboçar um desenho a partir de uma foto de Marta Rocha, que fora Miss Brasil, ela, com toda a sua arrogância, disse humilhando-me deliberadamente: “quem é você para achar que pode desenhar Marta Rocha? Por acaso se sente capaz de passar para seu desenho toda a beleza dela?”. Não respondi, olhei-a profundamente com muita raiva e comecei a riscar o papel até destruir tudo que já tinha feito. Já tinha desenhado o corpo e ia começar a desenhar o rosto. Deste dia em diante, desisti de desenhar e, na minha mente de menina, ficou um trauma muito forte. Só voltei a desenhar quando adulta e resolvi superar o trauma, descobrindo que tinha talento e produzindo bonitos quadros, dedicando-me principalmente a pintar figuras humanas a partir de fotos.

Ao chegar em casa com o comunicado da suspensão, a reação de minha mãe foi a mesma da professora. Autoritária e violenta. Tomei uma surra de cinto de couro e fiquei de castigo, presa na despensa o restante do dia, até meu pai chegar a noite para jantar. Ao encontrar-me chorando, perguntou-me o que acontecera e eu fiz para ele a narrativa de tudo. Terminei dizendo: “o senhor sempre me diz que tenho que falar a verdade, sempre. Minhas amigas mentiram, foram liberadas para assistir as aulas e eu, que falei a verdade, recebi uma suspensão de dois dias, gritos, uma surra e fiquei presa na despensa escura”. Ele disse, confortando-me:

“Biluzinha, como me chamava carinhosamente, fale sempre a verdade, custe o que custar e você será sempre uma pessoa respeitada”. Não entendi o seu raciocínio porque eu fora muito desrespeitada pela professora e por minha mãe! Ele então procurou explicar: “nunca desista de falar a verdade porque existem pessoas assim, como sua mãe e sua professora, vai descobrir que muitas pessoas são diferentes, lhe ouvirão e valorizarão o seu modo de ser. Seja sempre honesta e verdadeira e nunca se arrependerá”.

Olhei para ele, olhos nos olhos e compreendi o que ele queria dizer. Eu estava diante dele naquele momento, uma pessoa diferente, que sabia enxergar o valor das pessoas, que foi capaz de me confortar, de me compreender e de ouvir as reclamações de minha mãe que se voltou contra ele por me tratar com respeito e me orientar.

Meu pai era assim. Uma pessoa boa, carinhosa. Ficava nervoso com a nossa gritaria em casa, com as dificuldades que enfrentava para nos criar, mas nunca teve coragem de bater em um filho. Quando se zangava, corria atrás de nós gritando, mas nunca batia... Paulinho, sempre fora o mais danado, o mais desobediente, o mais implicante, até na hora do almoço. Ele brigava com Paulinho, corria atrás dele, mas quando chegava perto com a intenção de dar um tabefe, a sua mão parava no ar, sem coragem de bater. Nós, os irmãos, achávamos muita graça desse episódio e falávamos para ele: “é por isso que ele desobedece, o senhor não tem coragem de bater...”. Ele saia e tudo terminava em risos.

COMENTÁRIO


Pode parecer estranho um comentário de mim para comigo. Entretanto, o que tenho a dizer agora sobre a minha postagem precisa valer-se do aparentemente incoerente para fazer-se compreensível.



Sobre o conceito de verdade e de honestidade de meu velho e muito amado Pai Paulo, preciso dizer que ele era e ainda o é, onde estiver, um lindo e precioso sonhador. Sim, porque ele viveu toda a sua vida no sonho sublime de que a verdade era o único caminho.

Oh! Céus! Como acreditei nisto e como segui os ensinamentos de meu Pai! Contudo, constato, na minha vida prática, que muitas vezes precisamos ocultar a verdade para sobreviver.
 E me recordo agora, neste entrelaçamento de lembranças, da muito querida professora Astrogilda Paiva Guimarães, mestra que até hoje venero como modelo de coerência e princípios de vida. Ela dizia a nós, suas alunas, que nem sempre poderíamos dizer a verdade toda. Ela, como meu pai, nos conclamava a dizer sempre a verdade, mas, haveria momentos em que não poderíamos dizer a "verdade toda".


E, quantas vezes vi-me, desconcertada e triste, vivenciando momentos em que precisei ocultar parte da verdade, não para deturpá-la, mas para preservar alguém ou mesmo para não fazer o papel de delatora. Ainda há pouco, sofri e chorei lágrimas silenciosas no meu recesso de mim, para não contar uma verdade toda, que, se dita, prejudicaria alguém e, se não dita, a prejudicada seria eu. Escolhi ser eu a prejudicada para não fazer o papel de delatora. Esperei que a outra parte falasse, mas não aconteceu. Lembrei de meu pai, de minha professora e escolhi a sabedoria de minha mestra: não dizer a verdade toda. Uma verdade que o meu comportamento, que a minha postura no dia a dia demonstrará. Com minha outra face que me lembra meu pai, direi a verdade com meus fatos de mim, que, observados dirão sobre mim verdades que são minhas.

O IMAGINÁRIO POPULAR CONTA E RECONTA... CRIA E RECRIA... REINVENTA HISTÓRIAS DE COISAS E CAUSOS ACONTECIDOS EM UM TEMPO QUE SE FOI E FICOU NA MEMÓRIA DA CIDADE, DAS RUAS, DA CAATINGA.


O IMAGINÁRIO POPULAR CONTA E RECONTA... CRIA E RECRIA...
REINVENTA HISTÓRIAS DE COISAS E CAUSOS ACONTECIDOS EM UM TEMPO QUE SE FOI E FICOU NA MEMÓRIA DA CIDADE, DAS RUAS, DA CAATINGA.

As histórias contadas pelos primos sobre o encontro de meu pai com Lampião são muito interessantes, todas confirmam o encontro, o roubo do ouro do Coronel Feliciano e a fuga de  meu pai. Em todas estão presentes também o fifó e as esporas que lampião pediu. Com certeza a mais fiel aos fatos é a que meu pai contava, porque ele vivenciou tudo. Mas todas revelam como se movimenta o imaginário popular, as criações e variações a partir de um fato real.

A versão de meu pai

Meu querido pai, homem simples do campo, além do labor em seu pequeno sítio na região de Monte Alegre, prestava serviços na fazenda do Coronel Feliciano, um dos homens mais ricos da região. Um dia, Lampião com o seu bando invade a fazenda e obriga meu pai e os demais empregados a servi-los.

Dizia meu velho pai que a dispensa da fazenda (local onde eram guardados os alimentos) estava bem sortida de carne seca, linguiça feita com carne de porco na tripa de boi seca e bebidas típicas da região. Enquanto os velhos donos da fazenda ficaram recolhidos nos seus aposentos sem nada poder fazer, meu pai se desdobrava para satisfazer os desejos da turba, que bebia e comia sem cerimônias. Lampião descobrira que o casal tinha grande quantidade de jóias em ouro, prata e pedras preciosas, em um velho baú, além de muito dinheiro. Apropriou-se das jóias, do dinheiro do casal e de tudo que existia na fazenda que tivesse algum valor. Corisco, o mais temido dos vassalos de Lampião, cismou com meu pai, jurando-o de morte depois de obrigá-lo a servir-lhes um lauto jantar.

Enquanto aqueles homens comiam e bebiam, meu pai conversava com um dos capangas de lampião, que não concordara com a ameaça de Corisco e prometera salvar-lhe a vida. Combinaram que o rapaz distrairia o bando e meu para fugiria pelos fundos da casa, com a desculpa de procurar uma espora para Lampião. Assim foi feito. Meu pai pegou na cozinha um fifó (tipo de utensílio usado para iluminar os cômodos da casa, alimentado com querosene) e saiu sorrateiramente. Ao se encontrar a salvo no quintal da casa, enfiou o fifó numa moita e saiu correndo... Correu... Correu... até chegar em casa, salvando-se da ameaça de Corisco.

Intrigada, perguntei: e os velhos, como ficaram, sozinhos na fazenda com o bando? Meu pai explicou-me que Lampião respeitava as pessoas idosas e nada fazia com elas nem com quem atendia aos seus desejos. Que se desentendia com Corisco, pelo seu caráter violento. E que muitas das histórias de violências praticadas contra crianças eram simplesmente lendas e fruto da imaginação popular. Disse ainda que Lampião era uma figura contraditória, roubava os ricos e ajudava os pobres. E que Maria Bonita lhe deu a impressão de ser uma mulher arrogante e vaidosa.

Narrativa de um dos moradores da cidade e membro da família, sobre esse encontro de meu pai com lampião

Lampião não vinha atacar aqui por causa do gringo. Ele perguntou: tem muito macaco na Natuba? Aí o rapaz disse: rapaz, a torre da igreja tem mais de cinquenta home lá entrincheirado. Aí se agoniaram para ir embora, aí na danação de sair ligeiro tinha perdido até as esporas. Eles andavam tudo a cavalo e tal, aí Paulo, o pai dela (se dirigindo a mim) catou espora daqui e dacolá... Aí Paulo todo agastado... Minha gente, cace uma espora aí e dê a Lampião. Ah... Meu Pai... Ele não gostava de ser chamado de Lampião não... Era coronel Virgulino... E disse: pega esse bandido aí e segure ele... Quero fazer um trabaio com ele. É verdade verdadeira... O veio Paulo era sabido, conhecia tudo lá do coronel, aí saiu o bandido seguro com ele na mão, chamava Curisco... Ta lá em cima de uma mesa de dinheiro dessa altura (marcou uma altura de mais ou menos cinquenta centímetros) – ta lá de prata e ouro... Aí Paulo pegou o fifó, enterrou num monte de algodão e saiu correndo... Se picou, bateu escarrerado, chegou no Cajueirinho meia noite, chamou Nuto, que era seu avô (dirigindo-se a mim). Pai acuda que Lampião tá no Tanque com destino a Paiaiá. Lampião passou em Olindina e roubava as lojas e jogava tudo pro povo. Fez a maior bagunça na feira de Olindina. Passou na fazenda de um ricaço lá, não achou gente prá assaltar e sabe o que fez? Chamou os capanga dele e mandou desmanchar o curral, tinha um carro na frente, um carro de boi... Enchero o carro de lenha até a telha, mandou um capanga em Olindina que era pertinho, pegar duas latas de querosene e lançou fogo no carro de boi. Aí o cara disse... O cara era mandingueiro... Ele não queima carro de boi de home mais nunca... Lampião era miserave... Pouco tempo depois morreu no Angico, foi praga do dono da fazenda que ele queimou.