O
IMAGINÁRIO POPULAR CONTA E RECONTA... CRIA E RECRIA...
REINVENTA
HISTÓRIAS DE COISAS E CAUSOS ACONTECIDOS EM UM TEMPO QUE SE FOI E FICOU NA
MEMÓRIA DA CIDADE, DAS RUAS, DA CAATINGA.
As histórias contadas pelos primos sobre o encontro de
meu pai com Lampião são muito interessantes, todas confirmam o encontro, o
roubo do ouro do Coronel Feliciano e a fuga de meu pai. Em todas estão presentes também o fifó e as esporas
que lampião pediu. Com certeza a mais fiel aos fatos é a que meu pai contava,
porque ele vivenciou tudo. Mas todas revelam como se movimenta o imaginário
popular, as criações e variações a partir de um fato real.
A versão de meu pai
Meu querido pai, homem
simples do campo, além do labor em seu pequeno sítio na região de Monte Alegre,
prestava serviços na fazenda do Coronel Feliciano, um dos homens mais ricos da
região. Um dia, Lampião com o seu bando invade a fazenda e obriga meu pai e os
demais empregados a servi-los.
Dizia meu velho pai que
a dispensa da fazenda (local onde eram guardados os alimentos) estava bem
sortida de carne seca, linguiça feita com carne de porco na tripa de boi seca e
bebidas típicas da região. Enquanto os velhos donos da fazenda ficaram recolhidos
nos seus aposentos sem nada poder fazer, meu pai se desdobrava para satisfazer
os desejos da turba, que bebia e comia sem cerimônias. Lampião descobrira que o
casal tinha grande quantidade de jóias em ouro, prata e pedras preciosas, em um
velho baú, além de muito dinheiro. Apropriou-se das jóias, do dinheiro do casal
e de tudo que existia na fazenda que tivesse algum valor. Corisco, o mais
temido dos vassalos de Lampião, cismou com meu pai, jurando-o de morte depois
de obrigá-lo a servir-lhes um lauto jantar.
Enquanto aqueles homens
comiam e bebiam, meu pai conversava com um dos capangas de lampião, que não
concordara com a ameaça de Corisco e prometera salvar-lhe a vida. Combinaram
que o rapaz distrairia o bando e meu para fugiria pelos fundos da casa, com a
desculpa de procurar uma espora para Lampião. Assim foi feito. Meu pai pegou na
cozinha um fifó (tipo de utensílio usado para iluminar os cômodos da casa,
alimentado com querosene) e saiu sorrateiramente. Ao se encontrar a salvo no quintal
da casa, enfiou o fifó numa moita e saiu correndo... Correu... Correu... até
chegar em casa, salvando-se da ameaça de Corisco.
Intrigada, perguntei: e os
velhos, como ficaram, sozinhos na fazenda com o bando? Meu pai explicou-me que
Lampião respeitava as pessoas idosas e nada fazia com elas nem com quem atendia
aos seus desejos. Que se desentendia com Corisco, pelo seu caráter violento. E
que muitas das histórias de violências praticadas contra crianças eram
simplesmente lendas e fruto da imaginação popular. Disse ainda que Lampião era
uma figura contraditória, roubava os ricos e ajudava os pobres. E que Maria
Bonita lhe deu a impressão de ser uma mulher arrogante e vaidosa.
Narrativa de um dos moradores da cidade e membro da
família, sobre esse encontro de meu pai com lampião
Lampião não vinha atacar aqui por causa do gringo. Ele
perguntou: tem muito macaco na Natuba? Aí o rapaz disse: rapaz, a torre da
igreja tem mais de cinquenta home lá entrincheirado. Aí se agoniaram para ir
embora, aí na danação de sair ligeiro tinha perdido até as esporas. Eles
andavam tudo a cavalo e tal, aí Paulo, o pai dela (se dirigindo a mim) catou
espora daqui e dacolá... Aí Paulo todo agastado... Minha gente, cace uma espora
aí e dê a Lampião. Ah... Meu Pai... Ele não gostava de ser chamado de Lampião
não... Era coronel Virgulino... E disse: pega esse bandido aí e segure ele...
Quero fazer um trabaio com ele. É verdade verdadeira... O veio Paulo era
sabido, conhecia tudo lá do coronel, aí saiu o bandido seguro com ele na mão,
chamava Curisco... Ta lá em cima de uma mesa de dinheiro dessa altura (marcou
uma altura de mais ou menos cinquenta centímetros) – ta lá de prata e ouro...
Aí Paulo pegou o fifó, enterrou num monte de algodão e saiu correndo... Se
picou, bateu escarrerado, chegou no Cajueirinho meia noite, chamou Nuto, que
era seu avô (dirigindo-se a mim). Pai acuda que Lampião tá no Tanque com
destino a Paiaiá. Lampião passou em Olindina e roubava as lojas e jogava tudo
pro povo. Fez a maior bagunça na feira de Olindina. Passou na fazenda de um
ricaço lá, não achou gente prá assaltar e sabe o que fez? Chamou os capanga
dele e mandou desmanchar o curral, tinha um carro na frente, um carro de boi...
Enchero o carro de lenha até a telha, mandou um capanga em Olindina que era
pertinho, pegar duas latas de querosene e lançou fogo no carro de boi. Aí o
cara disse... O cara era mandingueiro... Ele não queima carro de boi de home
mais nunca... Lampião era miserave... Pouco tempo depois morreu no Angico, foi
praga do dono da fazenda que ele queimou.
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