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quinta-feira, 3 de janeiro de 2013

O IMAGINÁRIO POPULAR CONTA E RECONTA... CRIA E RECRIA... REINVENTA HISTÓRIAS DE COISAS E CAUSOS ACONTECIDOS EM UM TEMPO QUE SE FOI E FICOU NA MEMÓRIA DA CIDADE, DAS RUAS, DA CAATINGA.


O IMAGINÁRIO POPULAR CONTA E RECONTA... CRIA E RECRIA...
REINVENTA HISTÓRIAS DE COISAS E CAUSOS ACONTECIDOS EM UM TEMPO QUE SE FOI E FICOU NA MEMÓRIA DA CIDADE, DAS RUAS, DA CAATINGA.

As histórias contadas pelos primos sobre o encontro de meu pai com Lampião são muito interessantes, todas confirmam o encontro, o roubo do ouro do Coronel Feliciano e a fuga de  meu pai. Em todas estão presentes também o fifó e as esporas que lampião pediu. Com certeza a mais fiel aos fatos é a que meu pai contava, porque ele vivenciou tudo. Mas todas revelam como se movimenta o imaginário popular, as criações e variações a partir de um fato real.

A versão de meu pai

Meu querido pai, homem simples do campo, além do labor em seu pequeno sítio na região de Monte Alegre, prestava serviços na fazenda do Coronel Feliciano, um dos homens mais ricos da região. Um dia, Lampião com o seu bando invade a fazenda e obriga meu pai e os demais empregados a servi-los.

Dizia meu velho pai que a dispensa da fazenda (local onde eram guardados os alimentos) estava bem sortida de carne seca, linguiça feita com carne de porco na tripa de boi seca e bebidas típicas da região. Enquanto os velhos donos da fazenda ficaram recolhidos nos seus aposentos sem nada poder fazer, meu pai se desdobrava para satisfazer os desejos da turba, que bebia e comia sem cerimônias. Lampião descobrira que o casal tinha grande quantidade de jóias em ouro, prata e pedras preciosas, em um velho baú, além de muito dinheiro. Apropriou-se das jóias, do dinheiro do casal e de tudo que existia na fazenda que tivesse algum valor. Corisco, o mais temido dos vassalos de Lampião, cismou com meu pai, jurando-o de morte depois de obrigá-lo a servir-lhes um lauto jantar.

Enquanto aqueles homens comiam e bebiam, meu pai conversava com um dos capangas de lampião, que não concordara com a ameaça de Corisco e prometera salvar-lhe a vida. Combinaram que o rapaz distrairia o bando e meu para fugiria pelos fundos da casa, com a desculpa de procurar uma espora para Lampião. Assim foi feito. Meu pai pegou na cozinha um fifó (tipo de utensílio usado para iluminar os cômodos da casa, alimentado com querosene) e saiu sorrateiramente. Ao se encontrar a salvo no quintal da casa, enfiou o fifó numa moita e saiu correndo... Correu... Correu... até chegar em casa, salvando-se da ameaça de Corisco.

Intrigada, perguntei: e os velhos, como ficaram, sozinhos na fazenda com o bando? Meu pai explicou-me que Lampião respeitava as pessoas idosas e nada fazia com elas nem com quem atendia aos seus desejos. Que se desentendia com Corisco, pelo seu caráter violento. E que muitas das histórias de violências praticadas contra crianças eram simplesmente lendas e fruto da imaginação popular. Disse ainda que Lampião era uma figura contraditória, roubava os ricos e ajudava os pobres. E que Maria Bonita lhe deu a impressão de ser uma mulher arrogante e vaidosa.

Narrativa de um dos moradores da cidade e membro da família, sobre esse encontro de meu pai com lampião

Lampião não vinha atacar aqui por causa do gringo. Ele perguntou: tem muito macaco na Natuba? Aí o rapaz disse: rapaz, a torre da igreja tem mais de cinquenta home lá entrincheirado. Aí se agoniaram para ir embora, aí na danação de sair ligeiro tinha perdido até as esporas. Eles andavam tudo a cavalo e tal, aí Paulo, o pai dela (se dirigindo a mim) catou espora daqui e dacolá... Aí Paulo todo agastado... Minha gente, cace uma espora aí e dê a Lampião. Ah... Meu Pai... Ele não gostava de ser chamado de Lampião não... Era coronel Virgulino... E disse: pega esse bandido aí e segure ele... Quero fazer um trabaio com ele. É verdade verdadeira... O veio Paulo era sabido, conhecia tudo lá do coronel, aí saiu o bandido seguro com ele na mão, chamava Curisco... Ta lá em cima de uma mesa de dinheiro dessa altura (marcou uma altura de mais ou menos cinquenta centímetros) – ta lá de prata e ouro... Aí Paulo pegou o fifó, enterrou num monte de algodão e saiu correndo... Se picou, bateu escarrerado, chegou no Cajueirinho meia noite, chamou Nuto, que era seu avô (dirigindo-se a mim). Pai acuda que Lampião tá no Tanque com destino a Paiaiá. Lampião passou em Olindina e roubava as lojas e jogava tudo pro povo. Fez a maior bagunça na feira de Olindina. Passou na fazenda de um ricaço lá, não achou gente prá assaltar e sabe o que fez? Chamou os capanga dele e mandou desmanchar o curral, tinha um carro na frente, um carro de boi... Enchero o carro de lenha até a telha, mandou um capanga em Olindina que era pertinho, pegar duas latas de querosene e lançou fogo no carro de boi. Aí o cara disse... O cara era mandingueiro... Ele não queima carro de boi de home mais nunca... Lampião era miserave... Pouco tempo depois morreu no Angico, foi praga do dono da fazenda que ele queimou.

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