Pesquisar este blog

sexta-feira, 22 de julho de 2011

FRAGMENTOS DE VIDA E FORMAÇÃO X

Há 56 anos, uma vida para tantas pessoas, eu iniciava meus estudos ginasianos. E no mesmo ano morria o físico Albert Einstein, 18 de abril de 1955, com 76 anos.


As lembranças ainda muito vivas em minha mente, perambulam pelos arredores do meu passado e me trazem episódios significativos, que foram marcantes para a minha formação. Já citei, no fragmento IX, o nome dos professores, dos quais nunca esqueci. Nessa época, às voltas com livros, cadernos e muitas responsabilidades, mas também, ainda interessada nas brincadeiras infantis. As meninas de minha idade conservavam uma doce ingenuidade, tão diferente de hoje. Os sonhos inocentes, travessos, em nada se pareciam com as conversas atuais do MSN e de outras experiências que marcam a adolescência deste início de século.

Lembro-me nitidamente da minha iniciação ao ginásio, baixinha, redondinha, meus pés não tocavam o chão quando me sentava naquelas carteiras enormes. Por isto, o professor Valdir Cerqueira, brincalhão, simpático e, porque não registrar, muito bonito... colocou-me o apelido de "disco voador". Era com certo carinho que fazia aquilo e por isto eu não me sentia ofendida. Tornei-me alvo das atenções de colegas da minha e de outras turmas, até que passaram a me chamar de "disquinho". Dilza, Dilma e outras colegas mais velhas que conheci sacramentaram o batismo e quase mudei de nome. Era tudo com muita brincadeira e todos nós tínhamos um apelido interessante ou engraçado. A memória falha, não dá para lembrar tudo, mas tinha um cara, que todos conheciam como "Tostão de Getúlio" ou simplesmente "Tostão". Ele era franzino e baixinho. Fora comparado à moeda de um tostão, pequenininha, que tinha a foto de Getúlio Vargas. Tive um colega, cujo apelido era "Quarentinha", mas nem lembro porquê.

Valdir Cerqueira, que o seu pai chamava de "meu príncipe", era professor de matemática, com fama de durão, e tudo fazia para reforçar o conceito. Eu não gostava da matéria, por isto estudava pouco e tirava notas baixas. Na primeira série (nomenclatura da época), quase uma revisão dos assuntos do curso primário, foi mais fácil e consegui ser aprovada. Mas na segunda série, a coisa pegou feio... Cheguei ao final do ano sem média e o professor, com ar ameaçador, deu seu prognóstico: "comigo você não passa"! Era um costume da época, tido como normal e aprovado por todos, inclusive pelos pais, que os professores fizessem juras e ameaças assustadoras. Entretanto, aquilo feriu os meus brios e eu decidi desafiar o professor quando ele, vitorioso, deu o resultado: reprovada!

Jurei para ele que nas provas da segunda época (hoje seriam provas finais ou de recuperação) eu tiraria 10,0 na prova oral e na escrita. Ele sorriu e duvidou, provocando-me mais ainda. Ponto de honra para mim, estudar e tirar a nota máxima, mostrar para o meu professor que eu era capaz de aprender matemática, se quisesse. Passei o mês de dezembro todo estudando, resolvendo os exercícios do livro didático, trancada em um quarto pequeno, situado em um canto da sala, com janela para a rua, que eu usava para estudar. Aquele quarto, ainda me lembro como se fosse hoje, fora de meu avô, Benvenuto, que morou conosco durante mais ou menos quatro anos.

O quartinho tinha uma cama em frente à janela e ao lado da cama uma mesinha pequena, que meu avô usava para colocar os seus objetos pessoais. Passei dias a fio sentada a essa mesa estudando, estudando, até resolver e memorizar todos os exercícios do livro. Tinha tudo na ponta da língua, quando fui fazer as provas, com ar provocante e vitorioso. Naquele tempo tínhamos professores de um livro só, o livro da matéria, que era estudado e sabatinado durante o ano. Não lembro o nome do autor. Mas... Quando entrei na sala para fazer a prova escrita, avisei ao professor Valdir: vou tirar 10,0 em tudo, na oral e na escrita. Novamente ele duvidou, mas eu estava muito segura do esforço que tinha feito.

Sentei-me e recebi a prova. Eram questões retiradas do livro e eu sorri, feliz, ao reconhecê-las. Resolvi todas as questões, entreguei a prova com ares de provocação, o professor corrigiu e disse: tudo bem, mas na prova oral você não tira dez. Ao que respondi: garanto que tirarei 10,0. E ele retrucou: veremos! Todo poderoso! Assim que os alunos presentes, eram poucos, terminaram a prova escrita, ele iniciou a oral e me deixou por último. Esperei com certa ansiedade, porque queria mostrar para ele que eu também era poderosa, naquele momento, estudara para isto!

Finalmente, chegou a minha vez. Meu Deus, aquela experiência me marcou tanto, que ao lembrar, é como se estivesse assistindo a um filme, marca indelével em minhas reminiscências. Eu, de pé, diante do quadro negro, com o giz na mão, sorridente, segura. Ele, provocante, também sorridente, ditou o primeiro exercício, que eu copiei faceira. Comecei a resolver, acertei, na mosca! O professor disse: o segundo você não acertará, garanto. Pegou o livro, que eu conhecia de cabo a rabo, em todos os detalhes, folheou, para frente, para trás e declarou: este aqui, duvido que acerte!

Mais uma vez a surpresa, ao verificar que o resultado estava corretíssimo, dizendo: agora, este aqui, você não acertará. E eu respondi: acertarei sim. Não deu outra! Vitória; 10,0 na prova oral. E o meu querido professor reconheceu o meu empenho, apertou minha mão e parabenizou-me pelo resultado. Respondi-lhe: eu só queria lhe mostrar que se eu quiser, eu aprendo matemática. Agora posso errar a vontade daqui para frente. Já provei que posso. Ele continuou sendo o professor de matemática mais querido de Serrinha, mais festejado, mais exigente e também o mais charmoso e casado com uma das mulheres mais bonitas da cidade, Magnólia Nogueira. E eu continuei uma aluna mediana em matemática, estudando só  para passar de ano, como se dizia naquele tempo.

domingo, 26 de junho de 2011

FRAGMENTOS DE VIDA E FORMAÇÃO IX

Há muito, não me dedico a escrever as lembranças de um tempo feliz, cheio de esperanças e sonhos bonitos. As atividades da vida atual, como professora em uma Instituição de Ensino Superior, o Centro Universitário Estácio da Bahia, preenchem todo o meu tempo. Mas gosto do que faço e me sinto feliz por estar nesta atividade tão gratificante, que é a docência. Contribuindo para a causa da educação e vibrando com a chegada de outro momento que será evidentemente muito feliz. Em 2012 completarei 50 anos de atividades em educação.

Mas no fragmento VIII eu falava de uma experiência de menina, que alimentava sonhos faceiros, travessos e alegres. Uma menina que dava seus primeiros passos em busca do sonho de ser feliz como pessoa e que identificava muitos caminhos para isto. Um deles era viver o amor que germinava povoado de idealizações, de sorrisos, de desejos inocentes. O outro era ter sucesso nos estudos para me tornar uma profissional e conquistar independência, a liberdade para decidir e fazer escolhas; coisa muito difícil para uma mulher daqueles tempos, cheios de preconceitos e de extrema vigilância para com a mulher e de concessões para com os homens. Que detinham o direito de ser, de mandar, comandar e julgar. Todos os meus desejos, estranhos para a época, "avançados demais", deram-me a fama de menina rebelde.

Eu e duas colegas, lindas e compenetradas depois do desfile de Sete de Setembro

Entrei para o Ginásio Estadual Rubem Nogueira em 1955, vivenciei experiências gratificantes, de grande aprendizado com os meus mestres. Alguns deles não contribuíram tanto, mas outros marcaram a minha vida com muita força e de modo muito positivo como: a professora Astrogilda Guimarães, Elvira Oliveira, Evoá Gonçalves, Valdir Cerqueira, Padre Demócrito, José Mota da Silva. Sou grata a eles por tudo que me ensinaram e pelo que contribuíram para minha formação.

sábado, 23 de abril de 2011

FRAGMENTOS DE VIDA E FORMAÇÃO VIII

DEPOIS DO QUINTO ANO PRIMÁRIO, O GINÁSIO

As lembranças perambulam, saltitam ora velozes ora lentas, querendo deter-se em algum lugar do passado. São muitos os lugares, são muitas as vivências de um tempo em que o sonho estava sempre em primeiro lugar. E a minha iniciação ao ginásio, momento de grande importância, foi muito significativa porque eu comecei a me sentir mais livre, mais madura e com uma sensação de poder dispor de meu tempo e de minha vontade como quisesse.


 Foto atual - Eu, Ana Lúcia e Edmundo na Praça do Ginásio


FOTO ATUAL DO GINÁSIO ESTADUAL LUIZ NOGUEIRA
Antigamente era Praça do Ginásio
Hoje é Praça Morena Bela

Um desses momentos que nos dão uma sensação gostosa de vitória foi decisivo para mim. A minha catequista, Dona Pipe, era como nós a chamávamos carinhosamente, gostava de procurar entre as suas pupilas alguma vocação para o celibato, no convento, é claro. E a minha mãe, muito católica; meu pai um homem “temente a Deus”, como gostava de se identificar, ficariam muito felizes de terem uma filha freira.

Mas, oh! Deus! Eu não queria! Sonhava em crescer depressa e namorar, pois já alimentava devaneios singelos por um garoto lindo e gentil, de olhares travessos e cheios de promessas. Escondia com zelo e discrição aquele sentimento lindo, que se expressava em folguedos de crianças, brincadeiras inocentes, olhares furtivos, suspiros profundos... Nada mais que isto.

E um dia, Dona Pipe me convidou para jantar com ela. Tinha sérias intenções de me convencer a arrumar minhas malas e partir para o convento. Fui... Muito decidida a acabar com aquela festa, naquele dia mesmo. Concentrei-me nos meus propósitos, sentei-me à mesa, entre ela e seu esposo, homem de fina educação e marido dedicado, eram os adjetivos que lhe davam e que causavam certa inveja nas mulheres não tão bem casadas.

A mesa, preparada com esmero para um jantar íntimo, denotava a fina educação doméstica da dona da casa. As iguarias dignas de uma princesa, era assim que me tratavam. Jantamos animadamente e no final, Dona Pipe entrou de sola na conversa sobre o convento. Era o que eu esperava para lhe fazer a fatídica pergunta: Dona Pipe, falei de modo respeitoso, lhe tenho um enorme carinho, com a senhora aprendi muitas coisas, mas, eu não quero ser freira, quero namorar e casar com o meu príncipe. Ao que ela me respondeu: você será esposa de Jesus e será muito feliz.

Segurei a indignação, para não perder a gentileza, e perguntei: Dona Pipe, se é tão bom ser freira e esposa de Jesus, porque a senhora não foi para o convento? Preferiu se casar? Ela se deu conta de que não deveria mais insistir e disse: minha menina, quero conhecer este príncipe que está lhe tirando de uma vocação tão linda! Tão linda, mas a senhora não quis, não é mesmo? Falei com um sorriso travesso! E não lhe revelei o nome do meu príncipe, segredo de criança, que guardava feliz a gentileza e a ternura dos olhares, nada mais que isto, mas, que nunca foi esquecido. Cada um seguiu por caminhos que levaram a outros lugares/momentos e a lembrança guardou a magia da esperança, porque, em algum lugar/momento do universo, novos sorrisos e olhares poderão se encontrar novamente. 

Assunto encerrado, passamos a falar do ginásio, da nova experiência e ela me deu bons conselhos sobre os cuidados que deveria ter para aproveitar o tempo e estudar muito. Não faltaram os conselhos para ter cuidado com os “lobos maus” que poderiam maltratar os sentimentos das meninas. Sorrimos muito e ela se divertia com as minhas descrições sobre os meus sonhos para o futuro. Eu queria ser cientista, estudar medicina e me dedicar a pesquisas na área. Foi um sonho bonito que nunca se concretizou, porque minha vida traçou outros caminhos, que caminhei saudosa, mas sem perder as esperanças de poder realizar-me em algum momento do futuro.

domingo, 16 de janeiro de 2011

Alma minha gentil, que te partiste - Camões


Alma minha gentil, que te partiste 

Tão cedo desta vida descontente, 
Repousa lá no Céu eternamente, 
E viva eu cá na terra sempre triste. 


Se lá no assento Etéreo, onde subiste, 
Memória desta vida se consente, 
Não te esqueças daquele amor ardente, 
Que já nos olhos meus tão puro viste. 

E se vires que pode merecer-te 
Alguma cousa a dor que me ficou 
Da mágoa, sem remédio, de perder-te, 

Roga a Deus, que teus anos encurtou, 
Que tão cedo de cá me leve a ver-te, 
Quão cedo de meus olhos te levou.


Dedico este poema a alguém que desta vida partiu há muitos anos, deixando uma saudade imensa e uma esperança que se concretizará em algum lugar do universo, em algum momento do futuro. 

domingo, 2 de janeiro de 2011

FRAGMENTOS DE VIDA E FORMAÇÃO VII

LEMBRANÇAS DE UMA FORMAÇÃO RELIGIOSA

Comecei, desde cedo, a ser doutrinada para ser freira, mas a minha vocação era bem outra. Participar ativamente da vida social, estudar, namorar, casar, ter filhos... Sempre gostei de estudar... Tanto que até hoje estudo e não pretendo parar. 

A foto abaixo é lembrança da educação religiosa que recebi desde meus primeiros anos de vida. Em 1949, data da foto, eu tinha seis anos de idade e estava entrando na escola, como narrei em postagem anterior.



O padre Carlos era nosso vizinho na praça da Igreja nova e eu, quando tinha entre 10 e 12 anos, passava horas e horas conversando com ele, um velhinho carinhoso e alegre, que me cativava e empolgava com as histórias dos santos. Um dia eu lhe perguntei o que ele achava da ideia de meus pais e da catequista, dona Pipe, de eu ser freira e ele me respondeu: “concordo, se for do seu querer, somente assim valerá a pena, minha menina”.

Eu sentia muita piedade e afeto por aquele velhinho generoso, para mim quase um santo. Principalmente porque ele me dava bons conselhos, acariciando-me com o olhar e tinha paciência para me escutar e responder minhas perguntas. Quando questionava a autoridade dos adultos, ele me dizia que eu não tivesse pressa, porque eu iria crescer e tomar as minhas decisões, no tempo certo. Apesar da paciência dele, eu voltava para casa sempre com muita pressa de crescer, para ser independente. Era o maior sonho de minha meninice. Sonho que um dia, me inspirou uma vontade enorme de fugir com o circo que passava pela cidade. Mas foi somente uma vontade, porque os artistas não concordaram comigo e me aconselharam, também, a ter paciência.

Além da bondade do padre Carlos, algo me inspirava ternura e impressionava muito o meu coração de menina. Ele sofria de uma doença que o deixava curvado e as suas mãos já estavam deformadas, a ponto de ele não conseguir abri-las. Diziam que era reumatismo agudo. Eu acariciava aquelas mãos e dizia: padre, Deus vai lhe ajudar, o senhor é tão bom e as pessoas boas não devem sofrer. E, com a voz cansada, com a lentidão dos anos e da doença, ele dizia que não sofria porque aceitava a vontade de Deus. Apesar de meu coração rebelde, com certeza, os conselhos do bom velhinho se transformaram, muitos anos depois, em sementes de coragem e perseverança nos momentos difíceis.


                        FOTO DE MINHA PRIMEIRA COMUNHÃO

O padre Demócrito foi meu professor de Latim no Ginásio e de Filosofia na Escola Normal. Personalidade e temperamento totalmente opostos ao padre Carlos. Culto, inteligente e de postura paradoxal para um padre. Galanteador, sabia muito bem separar o homem do religioso. A sua grande dificuldade como professor era manter a disciplina em sala de aula. As discussões religiosas desviavam com frequência os assuntos das aulas e ele dava espaço, para defender as suas convicções. Ao final das aulas, dava carona às alunas em seu velho Gipe, até a praça (a escola normal era distante do centro da cidade). Gostava da nossa alegria e tagarelice e nós nos divertíamos com os seus galanteios.