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domingo, 25 de outubro de 2009

FRAGMENTOS DE VIDA E FORMAÇÃO II

Ao mergulhar o pensamento no passado desfilam em cadência vertiginosa, lembranças de uma infância que de tão longe a vejo e a interpreto, revendo e reinventando um viver que dentro de mim sobrevive. A professora Marília era uma mulher bonita e inteligente, atraia a atenção e a admiração de homens e mulheres pela sua elegância e pela independência com que conduzia a sua vida. Ela foi minha professora até a 4ª série do curso primário e depois, no ginásio, professora de História Geral e do Brasil. Foi uma presença marcante, que muito contribuiu para meu processo de formação.

Mas... Continuando a minha narrativa do primeiro dia de aula de minha vida... Cantamos o hino nacional, perfilados, mãos no peito em sinal de muito respeito e patriotismo. Depois, todos muito bem comportados, enfileirados, os menores na frente e eu, pequenina, fiquei frente a frente com a professora. Nossos olhares se cruzaram e ela ordenou que entrássemos na sala e nos acomodássemos, meninas de um lado e meninos do outro. Sentamos dois a dois e duas a duas nas carteiras duplas, cuidadosamente envernizadas, e continuamos em silêncio esperando as suas ordens. Muito séria, ela começou a andar pela sala e explicar como seria a disciplina, os horários de cada atividade e quais os castigos que seriam aplicados em caso de desobediência ou de descumprimento de alguma tarefa. Ninguém ousava fazer qualquer ruído ou despregar dela o olhar, que exigia atenção. Como era diferente do que vivenciamos hoje com nossos alunos! Era melhor do que hoje? Nem melhor nem pior. Apenas diferente, adequado aos valores da época e lá, naquele momento histórico, forjamos a nossa personalidade, orientados por uma educação ainda patriarcal, que definia o que era certo ou errado. Filhos e alunos... Melhor obedecer, pelo bem de todos!...

Durante as aulas de todos os dias era tudo muito igual, bem formatado, horário para tudo: o Hino Nacional na porta da escola, a lição de leitura, o ditado, a cópia, o dever de gramática e de matemática; chatice mesmo era decorar o nome dos presidentes da república e os acontecimentos do governo, o nome dos acidentes geográficos, das capitais dos Estados. Meu Deus... E os nomes dos países com capitais e tudo, as datas, como eu odiava aquelas datas! Não posso me esquecer dos assuntos de ciências naturais: nomes das partes das plantas e características dos animais eram até amenidades diante dos nomes dos ossos do esqueleto... Sabem? O pé e a mão... Com tantos ossinhos, tínhamos que saber o nome de todos e dos músculos também. Para que servia cada um não importava muito, mas tinha que ter tudo na ponta da língua.

E ai de quem desobedecia, de quem não sabia a lição de casa! Pasmem... Que nada, era tudo muito natural, aprovação total da família. Um dia, já mais crescidinha, esqueci de fazer o dever de casa. Não teve jeito, fiquei de joelhos em cima de um monte de milho e nem podia tirar a cara da parede. Ainda me vejo lá, ao lado do quadro negro, sentindo tanta dor e tanta vergonha, que odiei a professora com todas as minhas forças e, ainda mais, levei para casa um bilhete, informando o castigo. Em casa, sermão e mais castigo: naquele dia não fui brincar na rua com os meninos e tive que estudar dobrado. Sabem com que mais eu sonhava? Com o dia em que ficasse grande e não precisasse mais obedecer nem ficar de castigo.

 
Este é o meu pai. Como era bonito!
 
 
A foto de minha mãe apresentarei mais tarde, porque não tenho uma daquela época.
Não era comum as pessoas tirarem fotos. Por isto só tenho duas do meu tempo de criança, quando já era bem crescidinha.

sexta-feira, 23 de outubro de 2009

FRAGMENTOS DE VIDA E FORMAÇÃO I

Depois de algum tempo sem movimentar este Blog, por diferentes motivos, e pensando em uma forma de fazê-lo, conversei com minha filha Elvira, estudante de Comunicação em Relações Públicas e blogueira. Ela lembrou que o blog surgiu como um estilo de diário e considerou pertinente a minha idéia de iniciar uma escrita com fragmentos de vida e formação, compartilhando com outras pessoas. Dessa forma, vi a possibilidade de tirar meu blog do ostracismo e começo as minhas narrativas a partir do meu primeiro dia de aula, em uma Escola primária da cidade de Serrinha, no sertão baiano.

Era o ano de 1950, eu tinha seis anos de idade e fui alfabetizada por minha mãe, a partir dos cinco anos, com a cartilha do ABC. Todos os dias fazia o exercício de decorar as letras na ordem alfabética e copiar no caderno, até que consegui memorizá-las. Minha mãe usava um pedaço de papel com um furo no meio, para posicionar a letra que ela queria que eu identificasse. Se errasse uma sequer, continuava a cantilena do alfabeto, enquanto ela se ocupava com seus afazeres domésticos. Aprendido o ABC, passamos para as sílabas: ba, be, bi, bo, bu; ca, ce, ci, co, o cu eu falava bem baixinho, colocando uma cedilha no ç. O pudor fazia com que minha mãe aprovasse aquela sonoridade e meu pai, quando estava em casa, sempre muito engraçado e irreverente, passava enrolando cuidadosamente o seu cigarro de fumo de corda e dizia sorrindo: mulher, deixa a menina falar o “cu” certo! Eu prendia a risada para não irritar mais a minha mãe, que ficava uma fera com o comportamento dele. Se para o meu pai era engraçado, para ela era um absurdo. Então eu tomava um novo fôlego para dizer da, de, di, do, du... Até o za, ze, zi, zo, zuuuuuu. Que alívio!

Lembro que eram as horas mais amargas de minha vida de menina, aprender a ler através da dor: castigos, palmadas... Mas era um costume da época e estava tudo certo, no seu devido lugar. E não é que eu, com meus seis aninhos, já sabia ler e escrever? Das sílabas para as palavras, para as frases e para os textos do primeiro livro, foi uma viagem, uma aventura com gosto de alegria, de preguiça, de curiosidade e de tristeza por não poder brincar na rua com meus irmãos enquanto não tivesse a lição na ponta da língua. Pois é... Naquele tempo, a gente brincava na rua e a porta da casa, colada no passeio, sem varanda e sem jardim, ficava aberta, ninguém entrava, não tinha ladrão. Somente mendigos pedindo “uma esmolinha pelo amor de Deus”, do passeio mesmo, e a gente levava um pouco de farinha, ou de feijão, ou um pedaço de pão dormido, ou mesmo as sobras do almoço.

Meus irmãos, todos menores do que eu, faziam pirraças, riam de mim quando eu não fazia o dever direito e ficava de castigo. Ficava com inveja deles, que tão pequenos, não precisavam ainda aprender a ler e escrever e eles aproveitavam para me provocar. Paulinho, o mais velho dos três meninos, passava ao meu lado com aquele sorrisinho matreiro, dava um grito e saia correndo. Ah!... que raiva!

Chega o tão sonhado primeiro dia de aula e minha mãe me levou para a Escola da professora Marília Lima de Queiroz, a minha primeira professora. Lembro como se fosse hoje ainda, aquela praça apinhada (como se dizia na época) de meninos e meninas segurando as mãos de suas mães, umas com caras e bocas de medo, lábios trêmulos, outros alegres e confiantes e outros indiferentes, esperando a hora de entrar na sala. Era o salão da frente de uma residência alugada pela prefeitura. Naquele tempo existiam muitas casas com grandes salões, que eram adaptadas para escolas. Eu apertava a mão de minha mãe, com medo e apreensão, porque estava adentrando em um ambiente completamente novo e desconhecido. Sentia-me como uma formiguinha no meio daquelas crianças. A maioria eu não conhecia e era uma menina criada com muito rigor e muito tímida.

Enfim, a professora abriu a porta da Escola, cumprimentou as mães e solicitou que fizéssemos uma fila para cantar o Hino Nacional, puxado por ela. Vejam só... Tudo naquele tempo era muito diferente de hoje. Cantava-se o Hino por obrigação e não sabíamos o que significavam aqueles versos, rimas ricas e tão estranhas à nossa experiência da cartilha do ABC. As professoras eram quase sempre rígidas e indiferentes aos sentimentos infantis. A minha, então, muito séria, nunca sorria e me inspirava muito medo.


Foto atual da pracinha onde funcionava minha primeira Escola. Era uma das casas em frente ao caminhão. Nesta praça moraram por muito tempo três grandes amigas e colegas de ginásio, Vanda e Valdíria Carneiro e Creunita Brizolara, todas professoras.

Bem, agora preciso tomar um banho, me arrumar para trabalhar, atender meus alunos de Pedagogia que me esperam. A entrada na sala de aula e o que aconteceu depois fica para o próximo momento. Deixo aqui, o convite para que quantos leiam esta narrativa, se candidatem a postar seus fragmentos de vida e formação.

domingo, 11 de outubro de 2009

Ontem, dia 10/10/2009, foi a colação de grau com solenidade da primeira turma do Curso de Pedagogia da Universidade Estácio de Sá Unidade Salvador - FIB - Centro Universitário da Bahia, realizada no Centro de Convenções da Bahia. Foi uma cerimônia emocionante, porque muitas histórias ali estavam em potencial, tecidas ao longo de quatro anos de estudos, muitos sonhos realizados, muitos obstáculos superados e um grupo de 37 novas pedagogas para contribuir com o sistema de educação de nossa cidade de Salvador. Algumas das graduadas já atuam em espaços escolares e não escolares em atividades educativas. Outras atuam em empresas em diferentes setores. No dia 26 de setembro foi a colação de grau sem solenidade, no auditório da FIB de outros formandos. Este espaço está aberto para as novas pedagogas e pedagogos colocarem as suas impressões e um pouco dos seus saberes e atividades.