LEMBRANÇAS DE UMA FORMAÇÃO RELIGIOSA
Comecei, desde cedo, a ser doutrinada para ser freira, mas a minha vocação era bem outra. Participar ativamente da vida social, estudar, namorar, casar, ter filhos... Sempre gostei de estudar... Tanto que até hoje estudo e não pretendo parar.
A foto abaixo é lembrança da educação religiosa que recebi desde meus primeiros anos de vida. Em 1949, data da foto, eu tinha seis anos de idade e estava entrando na escola, como narrei em postagem anterior.
O padre Carlos era nosso vizinho na praça da Igreja nova e eu, quando tinha entre 10 e 12 anos, passava horas e horas conversando com ele, um velhinho carinhoso e alegre, que me cativava e empolgava com as histórias dos santos. Um dia eu lhe perguntei o que ele achava da ideia de meus pais e da catequista, dona Pipe, de eu ser freira e ele me respondeu: “concordo, se for do seu querer, somente assim valerá a pena, minha menina”.
Eu sentia muita piedade e afeto por aquele velhinho generoso, para mim quase um santo. Principalmente porque ele me dava bons conselhos, acariciando-me com o olhar e tinha paciência para me escutar e responder minhas perguntas. Quando questionava a autoridade dos adultos, ele me dizia que eu não tivesse pressa, porque eu iria crescer e tomar as minhas decisões, no tempo certo. Apesar da paciência dele, eu voltava para casa sempre com muita pressa de crescer, para ser independente. Era o maior sonho de minha meninice. Sonho que um dia, me inspirou uma vontade enorme de fugir com o circo que passava pela cidade. Mas foi somente uma vontade, porque os artistas não concordaram comigo e me aconselharam, também, a ter paciência.
Além da bondade do padre Carlos, algo me inspirava ternura e impressionava muito o meu coração de menina. Ele sofria de uma doença que o deixava curvado e as suas mãos já estavam deformadas, a ponto de ele não conseguir abri-las. Diziam que era reumatismo agudo. Eu acariciava aquelas mãos e dizia: padre, Deus vai lhe ajudar, o senhor é tão bom e as pessoas boas não devem sofrer. E, com a voz cansada, com a lentidão dos anos e da doença, ele dizia que não sofria porque aceitava a vontade de Deus. Apesar de meu coração rebelde, com certeza, os conselhos do bom velhinho se transformaram, muitos anos depois, em sementes de coragem e perseverança nos momentos difíceis.
FOTO DE MINHA PRIMEIRA COMUNHÃO
O padre Demócrito foi meu professor de Latim no Ginásio e de Filosofia na Escola Normal. Personalidade e temperamento totalmente opostos ao padre Carlos. Culto, inteligente e de postura paradoxal para um padre. Galanteador, sabia muito bem separar o homem do religioso. A sua grande dificuldade como professor era manter a disciplina em sala de aula. As discussões religiosas desviavam com frequência os assuntos das aulas e ele dava espaço, para defender as suas convicções. Ao final das aulas, dava carona às alunas em seu velho Gipe, até a praça (a escola normal era distante do centro da cidade). Gostava da nossa alegria e tagarelice e nós nos divertíamos com os seus galanteios.