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domingo, 16 de janeiro de 2011

Alma minha gentil, que te partiste - Camões


Alma minha gentil, que te partiste 

Tão cedo desta vida descontente, 
Repousa lá no Céu eternamente, 
E viva eu cá na terra sempre triste. 


Se lá no assento Etéreo, onde subiste, 
Memória desta vida se consente, 
Não te esqueças daquele amor ardente, 
Que já nos olhos meus tão puro viste. 

E se vires que pode merecer-te 
Alguma cousa a dor que me ficou 
Da mágoa, sem remédio, de perder-te, 

Roga a Deus, que teus anos encurtou, 
Que tão cedo de cá me leve a ver-te, 
Quão cedo de meus olhos te levou.


Dedico este poema a alguém que desta vida partiu há muitos anos, deixando uma saudade imensa e uma esperança que se concretizará em algum lugar do universo, em algum momento do futuro. 

domingo, 2 de janeiro de 2011

FRAGMENTOS DE VIDA E FORMAÇÃO VII

LEMBRANÇAS DE UMA FORMAÇÃO RELIGIOSA

Comecei, desde cedo, a ser doutrinada para ser freira, mas a minha vocação era bem outra. Participar ativamente da vida social, estudar, namorar, casar, ter filhos... Sempre gostei de estudar... Tanto que até hoje estudo e não pretendo parar. 

A foto abaixo é lembrança da educação religiosa que recebi desde meus primeiros anos de vida. Em 1949, data da foto, eu tinha seis anos de idade e estava entrando na escola, como narrei em postagem anterior.



O padre Carlos era nosso vizinho na praça da Igreja nova e eu, quando tinha entre 10 e 12 anos, passava horas e horas conversando com ele, um velhinho carinhoso e alegre, que me cativava e empolgava com as histórias dos santos. Um dia eu lhe perguntei o que ele achava da ideia de meus pais e da catequista, dona Pipe, de eu ser freira e ele me respondeu: “concordo, se for do seu querer, somente assim valerá a pena, minha menina”.

Eu sentia muita piedade e afeto por aquele velhinho generoso, para mim quase um santo. Principalmente porque ele me dava bons conselhos, acariciando-me com o olhar e tinha paciência para me escutar e responder minhas perguntas. Quando questionava a autoridade dos adultos, ele me dizia que eu não tivesse pressa, porque eu iria crescer e tomar as minhas decisões, no tempo certo. Apesar da paciência dele, eu voltava para casa sempre com muita pressa de crescer, para ser independente. Era o maior sonho de minha meninice. Sonho que um dia, me inspirou uma vontade enorme de fugir com o circo que passava pela cidade. Mas foi somente uma vontade, porque os artistas não concordaram comigo e me aconselharam, também, a ter paciência.

Além da bondade do padre Carlos, algo me inspirava ternura e impressionava muito o meu coração de menina. Ele sofria de uma doença que o deixava curvado e as suas mãos já estavam deformadas, a ponto de ele não conseguir abri-las. Diziam que era reumatismo agudo. Eu acariciava aquelas mãos e dizia: padre, Deus vai lhe ajudar, o senhor é tão bom e as pessoas boas não devem sofrer. E, com a voz cansada, com a lentidão dos anos e da doença, ele dizia que não sofria porque aceitava a vontade de Deus. Apesar de meu coração rebelde, com certeza, os conselhos do bom velhinho se transformaram, muitos anos depois, em sementes de coragem e perseverança nos momentos difíceis.


                        FOTO DE MINHA PRIMEIRA COMUNHÃO

O padre Demócrito foi meu professor de Latim no Ginásio e de Filosofia na Escola Normal. Personalidade e temperamento totalmente opostos ao padre Carlos. Culto, inteligente e de postura paradoxal para um padre. Galanteador, sabia muito bem separar o homem do religioso. A sua grande dificuldade como professor era manter a disciplina em sala de aula. As discussões religiosas desviavam com frequência os assuntos das aulas e ele dava espaço, para defender as suas convicções. Ao final das aulas, dava carona às alunas em seu velho Gipe, até a praça (a escola normal era distante do centro da cidade). Gostava da nossa alegria e tagarelice e nós nos divertíamos com os seus galanteios.