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quarta-feira, 11 de janeiro de 2012

FRAGMENTOS DE VIDA E FORMAÇÃO XI

Do último fragmento escrito, uma lembrança carinhosa ficou a perambular em meus pensamentos. O meu avô Benvenuto, homem gentil, bom e simples de quem eu guardei gratas recordações. Natural do Araci e criado em outro pequeno recanto do interior da Bahia, o povoado de Nova Soure, onde nasci em 28 de maio de 1943.

Meu pai chamava Nova Soure de Natuba e dizia que os seus mais antigos antepassados eram descendentes de portugueses que colonizaram a região desde finais do século XVI. Assim se expressa Euclides da Cunha em os Sertões, ao descrever a região onde foram erguidas muitas aldeias que depois se transformaram em pequenas cidades do interior da Bahia: "Natuba, também bastante antiga aldeia, ereta pelos jesuítas".



Atual Praça Nossa Senhora da Conceição de Nova Soure
Fonte: https://picasaweb.google.com/NovaSoureBA/FotosDeRuasEPracasDaCidade2010


Sempre tive facilidades para memorizar e lembrar fatos de minha vida que foram marcantes por algum motivo ou circunstância. Remexendo nos arquivos mais densos e distantes dessas recordações, lembrei-me de detalhes do sítio onde morava meu avô quando eu era bem pequenina. Um lugar singelo, arborizado, com bodes, ovelhas, carneiros, porcos e galinhas a perambular pelos campos marcados ora pela seca ardente do sertão baiano, ora por esparsas chuvas de inverno. Eu tinha menos de três anos de idade, mas a minha memória registrou, além do ambiente natural, alguns elementos da vida cotidiana das pessoas, memórias estas, enriquecidas pelas narrativas de meu pai. Desde a nossa infância, minha e de meus irmãos, meu pai falava de sua vida em Nova Soure e de suas origens portuguesas.


Consigo rever, como num filme que se abre na tela das memórias de minha infância, minha avó Maria Rita, ao pé do fogão de lenha na ampla cozinha de chão batido, fritando a carne seca, cozinhando o feijão suculento e a fatada. Eu, pingo de gente, que pouco tinha o que fazer, a não ser brincar com bonecas de pano e observar o ambiente, guardei imagens da minha avó mexendo o tacho de comida fervente e meu avô, sentado na porta da cozinha que dava para o quintal fumando o seu cigarro de fumo de corda, que ele fazia cuidadosamente; primeiro, cortando o fumo bem miúdo, depois enrolando em papeis recortados para esta finalidade. Eu ficava embevecida olhando as piruetas e silhuetas que a fumaça desenhava no ar, ao ser lançada pelas baforadas do meu avô. Ele sorria e interpretava para minha curiosidade aqueles desenhos de fumaça que se desfaziam com extrema rapidez. Como num ritual, todos os dias, ele se sentava naquele mesmo lugar, para fumar o seu cigarro. Por algumas vezes observei meu pai fazer-lhe companhia e os dois fumavam e conversavam.


Pelas conversas de meu pai e informações de minha mãe, meu avô teve uma fazenda chamada Cajueirinho, que fora vendida em virtude da decisão familiar de morar na cidade de Nova Soure. Entretanto, os velhos, minha avó e meu avô, não se adaptaram na cidade e voltaram a morar no campo, nesse pequeno sítio de meu tio Justino, para onde íamos com frequência visitá-los. Minhas lembranças são, portanto, de pequenos trechos de momentos na casa da cidade, que já mencionei em outro fragmento, e no sítio de tio Justino. Das pequenas terras de meu pai nada consigo lembrar. Segundo ele e minha mãe, foi um lote de terra recebido do Dr. Alfredo Amorim, por ter administrado a venda de outros lotes adquiridos na região pelo então ilustre advogado, que ele conhecera em suas andanças pela Salvador daquela época. Meu pai falava muito sobre uma região chamada Monte Alegre e, a partir de suas narrativas, pude concluir que as suas pequenas terras estariam localizadas nessa região. Meu pai era um livro vivo de histórias regionais, que ele contava e eu ouvia embevecida. Hoje lamento não ter registrado tudo que ele falava e preciso apelar para o que ficou aceso na minha memória sobre essa época de nossas vidas e para algumas lembranças que minha mãe, hoje com 90 anos, ainda guarda, mas sem riqueza de detalhes.


Quando eu estava a completar três anos de idade, em 1946, meu pai e meu tio Justino venderam as pequenas propriedades e a casa da cidade. Meu pai veio para Serrinha com sua pequena família: ele, minha mãe, eu, meu irmão Paulinho e Pequinho ainda em gestação. Meus avós e meu tio Justino ficaram no Araci, onde já moravam a tia Talissa e a tia Pombinha irmãs de meu pai. Em Nova Soure ficaram apenas tia Zinha e os filhos. Meu pai sempre dizia que saiu de Nova Soure porque queria que seus filhos estudassem e se formassem, e lá, naquela época, não via possibilidades. O seu sonho foi realizado, porque todos nós pudemos estudar e, de seus nove filhos, uma meia irmã, mais velha, por quem tenho grande carinho e admiração e oito do casal, quatro seguiram carreira acadêmica.


Pesquisando sobre Monte Alegre, encontrei esta comunidade do Orkut:
http://www.orkut.com.br/Main#CommMsgs?cmm=31705667&tid=2529954288960466860