Há 56 anos, uma vida para tantas pessoas, eu iniciava meus estudos ginasianos. E no mesmo ano morria o físico Albert Einstein, 18 de abril de 1955, com 76 anos.
As lembranças ainda muito vivas em minha mente, perambulam pelos arredores do meu passado e me trazem episódios significativos, que foram marcantes para a minha formação. Já citei, no fragmento IX, o nome dos professores, dos quais nunca esqueci. Nessa época, às voltas com livros, cadernos e muitas responsabilidades, mas também, ainda interessada nas brincadeiras infantis. As meninas de minha idade conservavam uma doce ingenuidade, tão diferente de hoje. Os sonhos inocentes, travessos, em nada se pareciam com as conversas atuais do MSN e de outras experiências que marcam a adolescência deste início de século.
Lembro-me nitidamente da minha iniciação ao ginásio, baixinha, redondinha, meus pés não tocavam o chão quando me sentava naquelas carteiras enormes. Por isto, o professor Valdir Cerqueira, brincalhão, simpático e, porque não registrar, muito bonito... colocou-me o apelido de "disco voador". Era com certo carinho que fazia aquilo e por isto eu não me sentia ofendida. Tornei-me alvo das atenções de colegas da minha e de outras turmas, até que passaram a me chamar de "disquinho". Dilza, Dilma e outras colegas mais velhas que conheci sacramentaram o batismo e quase mudei de nome. Era tudo com muita brincadeira e todos nós tínhamos um apelido interessante ou engraçado. A memória falha, não dá para lembrar tudo, mas tinha um cara, que todos conheciam como "Tostão de Getúlio" ou simplesmente "Tostão". Ele era franzino e baixinho. Fora comparado à moeda de um tostão, pequenininha, que tinha a foto de Getúlio Vargas. Tive um colega, cujo apelido era "Quarentinha", mas nem lembro porquê.
Valdir Cerqueira, que o seu pai chamava de "meu príncipe", era professor de matemática, com fama de durão, e tudo fazia para reforçar o conceito. Eu não gostava da matéria, por isto estudava pouco e tirava notas baixas. Na primeira série (nomenclatura da época), quase uma revisão dos assuntos do curso primário, foi mais fácil e consegui ser aprovada. Mas na segunda série, a coisa pegou feio... Cheguei ao final do ano sem média e o professor, com ar ameaçador, deu seu prognóstico: "comigo você não passa"! Era um costume da época, tido como normal e aprovado por todos, inclusive pelos pais, que os professores fizessem juras e ameaças assustadoras. Entretanto, aquilo feriu os meus brios e eu decidi desafiar o professor quando ele, vitorioso, deu o resultado: reprovada!
Jurei para ele que nas provas da segunda época (hoje seriam provas finais ou de recuperação) eu tiraria 10,0 na prova oral e na escrita. Ele sorriu e duvidou, provocando-me mais ainda. Ponto de honra para mim, estudar e tirar a nota máxima, mostrar para o meu professor que eu era capaz de aprender matemática, se quisesse. Passei o mês de dezembro todo estudando, resolvendo os exercícios do livro didático, trancada em um quarto pequeno, situado em um canto da sala, com janela para a rua, que eu usava para estudar. Aquele quarto, ainda me lembro como se fosse hoje, fora de meu avô, Benvenuto, que morou conosco durante mais ou menos quatro anos.
O quartinho tinha uma cama em frente à janela e ao lado da cama uma mesinha pequena, que meu avô usava para colocar os seus objetos pessoais. Passei dias a fio sentada a essa mesa estudando, estudando, até resolver e memorizar todos os exercícios do livro. Tinha tudo na ponta da língua, quando fui fazer as provas, com ar provocante e vitorioso. Naquele tempo tínhamos professores de um livro só, o livro da matéria, que era estudado e sabatinado durante o ano. Não lembro o nome do autor. Mas... Quando entrei na sala para fazer a prova escrita, avisei ao professor Valdir: vou tirar 10,0 em tudo, na oral e na escrita. Novamente ele duvidou, mas eu estava muito segura do esforço que tinha feito.
Sentei-me e recebi a prova. Eram questões retiradas do livro e eu sorri, feliz, ao reconhecê-las. Resolvi todas as questões, entreguei a prova com ares de provocação, o professor corrigiu e disse: tudo bem, mas na prova oral você não tira dez. Ao que respondi: garanto que tirarei 10,0. E ele retrucou: veremos! Todo poderoso! Assim que os alunos presentes, eram poucos, terminaram a prova escrita, ele iniciou a oral e me deixou por último. Esperei com certa ansiedade, porque queria mostrar para ele que eu também era poderosa, naquele momento, estudara para isto!
Finalmente, chegou a minha vez. Meu Deus, aquela experiência me marcou tanto, que ao lembrar, é como se estivesse assistindo a um filme, marca indelével em minhas reminiscências. Eu, de pé, diante do quadro negro, com o giz na mão, sorridente, segura. Ele, provocante, também sorridente, ditou o primeiro exercício, que eu copiei faceira. Comecei a resolver, acertei, na mosca! O professor disse: o segundo você não acertará, garanto. Pegou o livro, que eu conhecia de cabo a rabo, em todos os detalhes, folheou, para frente, para trás e declarou: este aqui, duvido que acerte!
Mais uma vez a surpresa, ao verificar que o resultado estava corretíssimo, dizendo: agora, este aqui, você não acertará. E eu respondi: acertarei sim. Não deu outra! Vitória; 10,0 na prova oral. E o meu querido professor reconheceu o meu empenho, apertou minha mão e parabenizou-me pelo resultado. Respondi-lhe: eu só queria lhe mostrar que se eu quiser, eu aprendo matemática. Agora posso errar a vontade daqui para frente. Já provei que posso. Ele continuou sendo o professor de matemática mais querido de Serrinha, mais festejado, mais exigente e também o mais charmoso e casado com uma das mulheres mais bonitas da cidade, Magnólia Nogueira. E eu continuei uma aluna mediana em matemática, estudando só para passar de ano, como se dizia naquele tempo.