Retomando a narrativa sobre a minha escola primária, quero dizer que não tenho tanta coisa mais para dizer, uma vez que era tudo muito igual, rotineiro, mudanças sociais tão lentas que demoravam anos para acontecer. Todos os dias, sempre iguais, fazia os deveres, estudava as lições, muitas vezes a contragosto; brincava um pouco, ia para a escola e a noite a mesma brincadeira em frente de casa. A professora... A mesma de sempre, carrancuda, indiferente aos nossos problemas infantis e... Sempre bonita e elegante.
Mas um episódio significativo para minha vida de estudante foi digno de nota, porque envolveu decisões dos adultos sobre mim, obscurecendo os meus desejos e a minha capacidade de enfrentar desafios. Naqueles tempos, crianças não tinham vontade, não mereciam crédito, porque eram considerados incapazes de tomar decisões.
Naquela época, o grau primário poderia ser cursado em quatro ou em cinco anos, para então fazermos o exame de admissão ao ginásio que consistia em mais quatro anos de estudos. Em novembro de 1953 eu terminei o quarto ano e desejei entrar logo no ginásio. Entretanto, a minha mãe achava que eu era muito nova para tal investimento e consultou o meu primo Cloves Mota, professor de História do Ginásio Luiz Nogueira, homem inteligente, estudioso e admirado pela sua dedicação à profissão. Meus pais confiavam totalmente nos seus conselhos e, como ele considerou importante para meu desenvolvimento intelectual que fizesse o 5º ano primário, meus pais não permitiram que eu me submetesse aos exames de admissão.
Passei os três meses de férias, porque naquele tempo o ano letivo era encerrado em 30 de novembro e as aulas reiniciavam em primeiro de março, imaginando como seria triste para mim ver outros colegas avançarem nos estudos e eu ficar mais um ano no curso primário. Odiei aquela decisão e mais ainda a passividade de meu pai que se rendeu à decisão de minha mãe, mesmo com os meus suplicantes pedidos. Ele sempre me acalmava dizendo que eu tinha uma vida inteira pela frente e que tivesse paciência. Nesses momentos eu pensava: qual será o tamanho dessa vida? Que tempo terei para realizar os meus desejos? E percebia que eu tinha muita pressa, mas os adultos me tolhiam e me incentivavam sempre na direção oposta dos meus sonhos. Isto continuou até a juventude.
O que atenuou minha frustração foi ter encontrado com a professora Edith Bulcão no quinto ano primário. Para mim, deixar de ser aluna da professora Marília foi uma vitória. A professora Edith tinha um temperamento carinhoso, tratava os seus alunos com o rigor que a época exigia, mas com afetividade, com outro olhar e com atitudes de respeito. Ela usava a palmatória somente nas sabatinas: eram momentos em que ela “tomava” a lição, colocando grupos de alunos em fileiras. Se um de nós errava uma resposta, outro respondia e se acertasse, dava na mão de todos que erraram, com a palmatória. Quem errava muito saia com a mão vermelha e dolorida. Era o incentivo pela dor para que os alunos estudassem mais. Entretanto, raros eram os alunos que acertavam tudo, principalmente na sabatina de tabuada.
Esta professora também incentivava os alunos para as artes, principalmente a poesia. Organizava recitais na sala de aula, iniciava os alunos na leitura dos autores clássicos da literatura e com isso nós tivemos encontros importantes com Castro Alves, Cruz e Souza, Casimiro de Abreu, Monteiro Lobato, José de Alencar, entre outros. Isto foi muito proveitoso para mim porque eu continuei me interessando pela leitura dos clássicos, conhecendo outros autores como Machado de Assis, Coelho Neto, Érico Veríssimo, Drumond, Jorge Amado, Lima Barreto etc.