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domingo, 5 de outubro de 2008

RESENHA

ROLDÃO, Maria do Céu. Currículo e diferença – Uma contradição insuperável? In: Diferenciação Curricular revisitada – Conceito, discurso e práxis. Portugal: Porto Editora, 2003.

Maria de Lourdes O. Reis da Silva
[*]

Roldão é Doutora em Teoria Curricular pela Simon Universiy do Canadá. Agregada em Educação pela Universidade de Aveiro; desde 1985 exerce a docência no Ensino Superior Politécnico e é professora coordenadora da Escola Superior de Educação de Santarém. Pesquisadora do Centro de Investigação do Instituto de Estudos da Criança da Universidade do Minho e do Centre for Imagination in Education, na Simon Fraser University, Canadá. Colabora com as investigações das Universidades de Aveiro, Açores, Macau e Católica. Figura como consultora científica em projetos internacionais da Unesco. Representou o Ministério da Educação de Portugal em projetos da OECD, na área de currículo e de formação de professores. Tem publicado estudos em currículo e teoria curricular, integrando diversos Conselhos Editoriais de revistas científicas de Educação.

No capítulo quatro do livro em referência, a autora faz uma abordagem crítico-propositiva a respeito da diferenciação curricular na construção do currículo escolar. Introduz o texto apresentando a contradição entre a diferenciação curricular e o conceito de currículo na tradição anglo-saxônica, que emerge do processo de massificação da escolarização e identifica o currículo como algo que é comum, “dada a sua incontornável natureza social”; visando um indivíduo “harmoniosamente desenvolvido e educado”, a partir das interações do coletivo social. Coloca como problema central da diferenciação curricular o que ela chama de “superação dessa aparente contradição”.

Apresenta ao leitor uma análise de diferentes modos de compreender a diferenciação curricular, princípios que se tornam visíveis na prática, apesar de ocultados e dissimulados nos discursos professorais: o “princípio da simplificação-redução” traduz a diferenciação como uma ordenação de alternativas de redução de áreas acadêmicas, na perspectiva de adequar a experiência intelectual do educando/formando a sua realidade, dando lugar a um segundo princípio: o da “adequação às suas características”, sem valorizar a capacidade de aprendizagem e de crescimento do aprendiz. Um terceiro princípio, do “déficit institucional”, se atém à programação de atividades que procuram melhorar a aprendizagem, orientadas por iniciativas de integração social e cultural, desarticuladas da prática curricular. Segue na sua análise, o “princípio da compensação quantitativa”, a título de inclusão de alunos “com necessidades especiais”, visando a redução do grupo de alunos, afastando-se das estratégias que atendam aos diferentes tipos de necessidades e de obstáculos à aprendizagem curricular. Classificado pela autora como de “incidência muito mais rara”, o “princípio da produção e gestão curricular pelos profissionais”, atende às perspectivas de “inter e autoformação”. A autora considera pertinente, então, a apropriação, a reconceitualização do currículo, o debate e a análise da natureza específica do profissional da educação e da organização da prática curricular.

Continuando a sua reflexão, a autora tece consideração sobre o currículo em sentido lato, que se corporifica nas ações e experiências humanas como princípio formativo e de sobrevivência. E sobre o currículo escolar, temporal, prescrito e passível de desconstruções no plano das práticas pedagógicas, sugere a perspectiva de “desconstruir para compreender” e de “reconstruir para agir”. Considerando a escola como uma instituição “não necessária à sobrevivência social”, faz uma reflexão sobre a realidade atual, definida por uma organização curricular pautada na uniformidade e “concebida para a produção em série da escolarização, organizada segundo os princípios da segmentação e da seqüência hierárquica dos saberes”.

Propõe, para a continuidade social da instituição escola, uma ruptura desse modelo, uma vez que o princípio da diferenciação curricular não poderá ser atendido por uma escola que se organiza e se mantém fiel à homogeneização do ensino. Para Roldão, a diferenciação curricular pressupõe a “análise da especificidade e da complexidade das situações de aprendizagem concretas”, buscando meios mais adequados de programar o ensino e a aprendizagem, “que se diferenciem em função do sujeito e da sua circunstância, do contexto em que ocorrem e da organização da acção de ensinar”. A autora apresenta um quadro síntese das implicações do princípio da diferenciação para a organização do ensino, para a prática do professor, para a organização do trabalho dos alunos e para o acesso e a regulação social externa.

A autora traz algumas indagações que devem ser colocadas para ter na organização escolar a diferenciação curricular como cenário: “de onde vem a especificidade do modo de aprender de cada indivíduo? Como se pode ensiná-lo(a) – garantir que aprenda da melhor forma? Como a criança aprende face ao modo de ensinar, ao contexto de aprendizagem? A partir desses pontos de reflexão, Roldão procura desmistificar as crenças que pressupõem a simples transposição para o espaço escolar das aprendizagens espontâneas e que basta um ensino bem feito para garantir a aprendizagem. Para ela, do lado do aluno há processos que só ele regula (o esforço e o empenho em aprender), mas que não são independentes da interação curricular.

Roldão adverte para a superação de um processo de diferenciação curricular que trouxe para dentro da escola a exclusão. É preciso, pois, como propõe a autora, situar a diferenciação curricular no plano da ação curricular da escola e dos professores, “intencional e informada por conhecimento científico adequado”, proporcionando um processo de aprendizagem partindo de onde está o aluno em termos de conhecimentos e de aprendizagem, para proporcionar-lhe orientação adequada ao seu desenvolvimento. A autora finaliza seu argumento apresentando a diferenciação curricular numa perspectiva “analítica e pró-activa”, que se sustenta na análise teórico-prática da ação da escola e dos professores responsáveis pela organização curricular.

Em sua análise pertinente e instigante sobre a diferenciação curricular, a autora traz uma importante contribuição para o estudo do currículo e da sua práxis, como contribuição para a superação de práticas excludentes no contexto escolar. Não somente este texto, mas todo o livro da autora é uma obra que contribui para a compreensão do tema em pauta e para a reflexão-ação de professores e de estudantes de cursos de licenciatura. A autora publicou outras obras de igual relevância no campo do currículo como: “Gestão do Currículo e Avaliação de Competências, “Os Professores e a Gestão do Currículo”, “Inovação, Currículo e formação”, “Reorganização e Gestão Curricular no Ensino Básico”. Os dois últimos em parceria com Ramiro Marques.

[*] Maria de Lourdes O. Reis da Silva é Pedagoga, Mestre em Educação, Doutoranda em Educação pela Universidade Federal da Bahia (Ufba), atualmente professora e coordenadora do curso de Pedagogia da FIB – Centro Universitário da Bahia.